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Paths of wars

CHECK A PIECE ABOUT WAR/PHOTOGRAPHY, A BROOKLYN MUSEUM EXHIBITION

 

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James Agee’s moral effort against social and economic injustice

CHECK A PIECE ABOUT COTTON TENANTS, THREE FAMILIES BY JAMES AGEE

22/08/2013 – 12h32
Reportagem de James Agee que inspirou livro clássico é publicada na íntegra nos EUA

FRANCISCO QUINTEIRO PIRES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Sob a encomenda da revista Fortune, em 1936 James Agee viajou com o fotógrafo Walker Evans para o Alabama. Ali escolheu três famílias de meeiros brancos que cultivavam algodão e escreveu sobre as suas condições miseráveis de vida. A Fortune nunca publicou a reportagem de Agee.

 

Floyd Burroughs and Tingle Children.  Walker Evans/ Library of Congress

Floyd Burroughs and Tingle Children. Walker Evans/ Library of Congress

 

Cinco anos depois, essa experiência no Sul dos Estados Unidos veio à tona com a publicação de “Elogiemos Os Homens Ilustres”, livro transformado em clássico nos anos 1960. Surgiram desde então duas suposições: ou a matéria de 1936 não foi finalizada ou ela era jornalisticamente impublicável.

O lançamento recente de “Cotton Tenants, Three Families” (Melville House) esclarece a dúvida. Editado por John Summers, o volume reúne a íntegra da reportagem de Agee recusada pela Fortune.

Summers refuta a hipótese de que o texto não seria jornalístico. “Essa ideia é possível se assumirmos a abordagem tacanha e a hostilidade à boa escrita como prerrogativas do jornalismo”, diz.

Editor da revista The Blaffer, Summers soube da reportagem, guardada na casa de Agee em Nova York, depois de o acervo do jornalista e escritor americano ser transferido em 2010 para a University of Tennessee.

 

William Fields. Walker Evans/ Library of Congress

William Fields. Walker Evans/ Library of Congress

 

“O manuscrito apresenta um estilo jornalístico praticado nos anos 1930”, diz David Whitford, editor da Fortune. “É um grande mistério não ter sido publicado.” Para ele, “Cotton Tenants”, por ser uma reportagem, difere muito de “Elogiemos Os Homens Ilustres” (Companhia das Letras), “um livro quase impenetrável, marcado pelos numerosos detalhes, pela poesia, pelo fluxo de consciência e pela meditação espiritual”.

Segundo Whitford, a Fortune que em 1932 contratou Agee – repórter cuja “orientação política tinha mais a ver com a do Partido Comunista – não receava propor questionamentos radicais”.

 

Floyd Burroughs, Jr. Walker Evans/ Library of Congress

Floyd Burroughs, Jr. Walker Evans/ Library of Congress

 

Em uma carta de 18 de junho, redigida dois dias antes de viajar para o Alabama, Agee mencionou “dúvidas consideráveis” sobre “a má vontade da Fortune” em relação à sua reportagem.

“A causa principal da recusa foi a substituição dos editores da revista enquanto Agee estava no Sul”, conta Dale Maharidge, professor da Columbia University e ganhador do Pulitzer Prize por “And Their Children After Them” (1989), livro sobre os descendentes das famílias retratadas em “Elogiemos Os Homens Ilustres”. “Henry Luce, o dono da Fortune, decidira mudar o tom: não queria mais reportagens longas e sociológicas.”

 

Washing.  Walker Evans/ Library of Congress

Washing. Walker Evans/ Library of Congress

 

Fundador das revistas Time e Life, Luce promoveu um retrato otimista da classe média e defendeu o intervencionismo externo dos EUA. A linha editorial da Fortune visava “exaltar os que contribuíram para a racionalização da indústria e do comércio”, escreve Alan Brinkley, biógrafo de Luce.

 

Negro Children. Walker Evans/ Library of Congress

Negro Children. Walker Evans/ Library of Congress

 

Agee denunciou em “Cotton Tenants” as injustiças socioeconômicas de um país onde conviveriam “o capitalismo” e “o feudalismo”. “Uma civilização que pode existir somente se colocar a vida humana em desvantagem não é digna desse nome”, ele afirma na introdução. Agee comparou ao “percevejo” e ao “câncer” quem se aproveita dos outros e acredita estar certo.

As armadilhas do desejo

Leia reportagem sobre a permanência das descobertas e ideias da Viena fim de século. Publicada pela revista Carta Capital

Check an article about the permanence of the discoveries and ideas of fin-de-siècle Vienna. Published by Carta Capital magazine

 

 

Nostalgia como resposta às mudanças

Leia abaixo íntegra de texto sobre a 84 edição do Oscar publicado pelo jornal Valor Econômico

Check a piece about the 84th Annual Academy Awards published by Valor Econômico newspaper

 

Francisco Quinteiro Pires
Nova York

Em A Invenção de Hugo Cabret, filme de Martin Scorsese, o personagem Hugo (Asa Butterfield) convida a sua amiga Isabelle (Chloë Grace Moretz) para viver “uma aventura”. Os dois garotos encontram o que procuram dentro de uma sala de cinema onde se exibem cenas de O Homem Mosca, com o astro do cinema mudo Harold Lloyd (1893-1971). Algum tempo depois, Mama Jeanne (Helen McCrory), esposa do mágico e cineasta Georges Méliès (Ben Kingsley), afirma para eles que o esquecimento do passado não gerou “nada além de infelicidade”.

 

 

A nostalgia é a nova moda, dizem especialistas entrevistados pelo Valor Econômico sobre a 84 edição do Oscar. A Invenção de Hugo Cabret e O Artista, os favoritos à estatueta de melhor filme, prestam uma clara homenagem à infância e à magia do cinema.

Outros longas-metragens indicados à categoria de melhor filme se encaixam “nessa tendência”, segundo Annette Insdorf, professora de cinema da Columbia University. “De fato, a sugestão de uma volta ao passado tem força. O saudosismo não é só em relação ao cinema mudo”, diz Insdorf. “Meia-Noite em Paris, do Woody Allen, trata da atmosfera intelectual da Paris dos anos 1920. Cavalo de Guerra, de Steven Spielberg, é descaradamente antiquado. Mesmo A Árvore da Vida, de Terrence Malick, tem um ar nostálgico por conta do enredo calcado em fatos passados, assim como Histórias Cruzadas, de Tate Taylor, com a sua exploração dos conflitos raciais nos Estados Unidos de 50 anos atrás.”

A princípio, as indicações deste ano foram entendidas como caóticas, segundo Betsy Sharkey, crítica de cinema do jornal Los Angeles Times. Mas o foco do debate se concentrou em O Artista, do francês Michel Hazanavicius, considerado o “grande favorito” ao prêmio principal. Ao acompanhar a decadência do ator George Valentin (Jean Dujardin), o filme aborda a transição do cinema mudo para o falado no fim dos anos 1920.

 

 

Para Sharkey, a nostalgia presente com tanta clareza em O Artista, A Invenção de Hugo Cabret e Meia-Noite em Paris reflete “uma exaltação ao processo criativo do cinema”. Essa é a mesma opinião de Paoula Abou-Jaoude, membro desde 1998 da The Hollywood Foreign Press Association, responsável pela premiação do Globo de Ouro. “Existe uma saudade das histórias bem contadas. O Artista, por exemplo, é uma história clássica de amor, com um trilha sonora fantástica, que poderia ser narrada em qualquer época, apesar do seu contexto específico”, diz Abou-Jaoude.

Não fosse essa onda saudosista, diz Abou-Jaoude, Os Descendentes, de Alexander Payne, “estaria com a estatueta garantida, pois é um filme independente com um assunto bem emocional”, uma das preferências recentes da Academia. Nesse longa-metragem, Matt King (George Clooney) tenta se relacionar com as duas filhas após sua mulher sofrer um acidente de barco.

 

 

Com o sucesso inesperado de O Artista, a indústria do entretenimento passou a explorar o filão. Até o fim deste ano, vai estrear na Broadway um musical sobre a vida de Charlie Chaplin (1889-1977). Silent Life, filme sobre Rudolph Valentino, ator do cinema mudo que morreu precocemente, está em fase de pós-produção. O longa-metragem tem Isabella Rossellini como estrela.

O refúgio no passado pode ter duas explicações: alienação política e mudanças tecnológicas. Para Annette Insdorf, os indicados ao Oscar não refletem a situação corrente dos Estados Unidos, ainda convalescentes de uma forte crise econômica iniciada em 2008. “A exceção é Tudo pelo Poder, que trata de campanha eleitoral e candidatos desonestos”, diz Insdorf. Dirigido por George Clooney, o longa-metragem foi indicado à categoria de melhor roteiro adaptado. O filme baseia-se em Farragut North, peça de teatro inspirada na campanha de Howard Dean para ser o candidato a presidente do Partido Democrata em 2004.

“Os últimos anos têm sido difíceis nos EUA e, tal como a Academia, os espectadores veem o cinema como uma possibilidade de escape e não de reflexão sobre a atualidade”, diz Betsy Sharkey. “Essa atitude torna complicada a aceitação de filmes com temas políticos, sociais e econômicos. Daí a falta de fôlego de Tudo pelo Poder e Margin Call – O Dia Antes do Fim.” Indicado ao Oscar de melhor roteiro original, Margin Call, de J.C. Chandor, acompanha o comportamento de funcionários de um banco de investimentos, às vésperas de uma crise financeira de grande proporções, uma referência clara à crise de 2008.

 

 

“Existe uma rejeição aos temas pessimistas. Filmes provocadores com atuações excelentes foram ignorados: Melancolia, com a atriz Kirsten Dunst; Shame, com Michael Fassbender; e Precisamos Falar sobre o Kevin, com Tilda Swinton”, diz Sharkey. “Neste ano a Academia parece disposta a contemplar os filmes de temática mais esperançosa.”

Os enredos são, de fato, indigestos. Melancolia, do diretor Lars von Trier, narra o relacionamento de duas irmãs enquanto um planeta está prestes a colidir com a Terra. Shame, de Steve McQueen, conta detalhes da vida privada de um ninfomaníaco em Nova York. Dirigido por Lynne Ramsay, Nós Precisamos Falar sobre o Kevin mostra o drama de uma mãe envolvida com a responsabilidade sobre os atos do seu filho depois de ocorrerem assassinatos numa escola.

A alienação dos indicados ao Oscar deste ano é uma posição contrária à do Sundance Film Festival, ocorrido em Utah entre 19 e 29 de janeiro. Segundo reportagem de Brooks Barnes para The New York Times, o Sundance mostrou como a tecnologia digital ajuda os cineastas a capturar “o momento”. Os longas-metragens, sobretudo os documentários, exibem “o sonho norte-americano transformado em pesadelo”.

Não por acaso, o júri do festival elegeu como melhor filme Beasts of The Southern Wild, de Benh Zeitlin, o qual aborda, em essência, o descaso histórico com o Sul dos Estados Unidos. O melhor documentário foi The House I Live In, de Eugene Jarecki, uma análise sobre a política do governo norte-americano de combate às drogas durante as últimas quatro décadas.

Antes os filmes tinham “um atraso de 3 a 5 anos para tratar da realidade do país”, escreveu Brooks Barnes. Foi assim, por exemplo, com os ataques terroristas ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001. Por obra da tecnologia digital, esse intervalo foi superado. Programas de edição permitem que um filme seja finalizado em até quatro meses e sem tantos custos. Agora, os cineastas trabalham em casa e com rapidez.

O Oscar mostra, porém, que o uso da tecnologia digital pode ter outro tipo de influência. “Ela também serve para arrecadar”, diz Paoula Abou-Jaoude. “Hoje o espectador pode escolher entre ver uma imagem bárbara de 3D em uma sala IMAX ou assistir a um filme em casa, o que é mais barato.” Existe uma mudança no modo como se veem e distribuem as obras cinematográficas. Os estúdios estão mais atentos à sedução tecnológica que pode tirar as pessoas do conforto do lar.

“Filmes via internet são o futuro”, diz Abou-Jaoude. O serviço, oferecido por Netflix e Amazon, por exemplo, é um fenômeno que perturba os grandes estúdios de Hollywood. Ele representa um obstáculo ao lucro outrora obtido pelos estúdios com a venda de DVDs.

Para se ter uma ideia, por US$ 3,99, o espectador compra na Amazon e vê pelo computador filmes como Meia-Noite em Paris, Histórias Cruzadas e O Homem Que Virou o Jogo, todos indicados ao Oscar de melhor filme. O preço médio de um ingresso de cinema em Nova York – US$ 12,50 – quase paga a mensalidade de um dos pacotes do Netflix. Por US$ 15,98, um assinante tem direito à entrega de DVDs pelo correio e a uma quantidade imensa de películas disponíveis para exibição via internet. O preço cai pela metade (US$ 7,99) se o pacote oferecer apenas filmes on-line.

Segundo a empresa de telecomunicações AT & T, o Netflix, tendo mais de 24 milhões de assinantes, chega a ser o responsável por cerca de 30% do fluxo de dados gerado na rede virtual dos Estados Unidos e Canadá. “Cada vez mais o controle se transfere dos estúdios para as mãos da audiência”, diz Betsy Sharkey.

 

 

A possibilidade de exibir a sua obra pela Internet fez com que os cineastas não ficassem escravos dos altos custos de distribuição. “De 5 a 7 milhões de pessoas podem hoje assistir a um filme que talvez nunca chegasse às salas de cinema”, diz Abou-Jaoude. A guerra atual se trava entre a tela grande e a tela do computador. A nostalgia vem de mais um momento de transição na história cinematográfica. Para Sharkey, “pertencemos a uma cultura da demanda e os filmes acabam seguindo essa tendência.” Se existe um limite para o poder da imaginação, ele é estabelecido pelo bolso dos espectadores.

Fado transcende fronteiras

Leia reportagem sobre o fado, canção urbana eleita pela UNESCO patrimônio imaterial da humanidade.

Publicada na edição 677 da revista Carta Capital

 

 

 

 

UM PÉ NA TRADIÇÃO, OUTRO NA REVOLTA

A imagem entrou para a história como mito. Vestida de preto, com o semblante austero, Amália Rodrigues inclinava para trás a cabeça, entrelaçava as mãos na frente do corpo e fechava os olhos para expressar os fados portugueses. Com essa postura, ela eternizou versos como Foi Deus/ Que me pôs no peito/ Um rosário de penas/ Que vou desfiando/ E choro a cantar. Assim foi por quase 60 anos, até Amália morrer em 1999.

Nos anos 2000, surgiu Deolinda, outro tipo de fadista. Lisboeta, ela canta sem o acompanhamento tradicional da guitarra portuguesa. Usa maquiagem, veste roupas de cores vibrantes, dança jocosamente, interpreta letras sobre os problemas do seu tempo e às vezes com final feliz.

Em janeiro deste ano, para as plateias que lotaram o Coliseu do Porto e o de Lisboa (as casas de espetáculos mais importantes de Portugal), Deolinda apresentou pela primeira vez a canção Parva Que Sou. Recebeu muitos aplausos por entoar versos como Sou da geração ‘vou queixar-me pra quê?’/ Há alguém bem pior do que eu na tevê e E fico a pensar/ Que mundo tão parvo/ Onde para ser escravo é preciso estudar.

A canção encarnou a insatisfação dos jovens portugueses com os rumos do país. Na internet, eles combinaram um protesto contra a situação econômica de Portugal, à época prestes a receber um resgate financeiro do FMI e da União Europeia, da qual é membro desde 1986. Em março, cerca de 100 mil pessoas saíram às ruas para reclamar contra o desemprego e a baixa remuneração. Ali se reuniu, segundo a imprensa portuguesa, a Geração Deolinda.

Na verdade, Deolinda não é uma fadista de carne e osso. É um personagem inventado por Ana Bacalhau (vocalista), José Pedro Leitão (baixista), Pedro da Silva Martins (violinista) e Luis José Martins (violinista). O quarteto tem uma visão heterodoxa do fado. Pertence a uma geração que está na casa dos 30 anos e que desde a década passada promove o renascimento do gênero, eleito em novembro, pela Unesco, patrimônio imaterial da humanidade. Mesma distinção que os mariachis mexicanos mereceram este ano e o samba do Recôncavo Baiano ganhou em 2005.

Representado por grupos e cantores como Ana Moura, António Zambujo, Cristina Branco, Carminho, Joana Amendoeira, Kátia Guerreiro, Mafalda Arnauth-, -Raquel Tavares, Hoje e Deolinda, o fado de agora está mais aberto para o mundo, com um pé na tradição e outro no presente. Ele flerta com o pop, o jazz, o rock, a música popular brasileira. Adota instrumentos elétricos e computadores. Dulce Pontes e Mariza, precursoras da nova onda, não estão mais sozinhas nos palcos portugueses e internacionais.

No primeiro fim de semana de dezembro, o cantor Camané e os grupos Deolinda, Hoje e Lisboa Soul se apresentaram na Brooklyn Academy of Music (BAM), em Nova York. Nos dias 2 e 3 deste mês, como parte da programação do 2011 Next Wave Festival, eles mostraram à plateia que lotou o BAM as vertentes tradicional e experimental do gênero. Durante os intervalos dos shows, o público lamentava não entender as letras, mas intuía o fatalismo e o desespero sugeridos pelo fado. Os americanos costumam compará-lo ao blues.

O mundo de língua inglesa gosta do fado. No verão passado, a cantora Ana Moura, de 31 anos, fez turnê pelos Estados Unidos e Canadá. Ela caiu nas graças de Prince quando o vocalista americano a viu em um show em Paris, há dois anos. Dali em diante, ele afirmava atravessar o Oceano Atlântico só para “pegar na cauda do vestido de Ana Moura”. Prince incluiu Walk in Sand, balada de inspiração portuguesa, no CD 20ten (2010).

Ana costuma cantar No Expectations, dos Rolling Stones, nas suas performances. Depois de a ouvirem numa taverna lisboeta, em 2007, os roqueiros ingleses se encantaram com sua voz e a convidaram para gravar com eles. O resultado: a fadista participa do CD Stones World: Rolling Stones Project, Volume II (2008).

Os pais de Ana viveram em Angola até a então colônia portuguesa conquistar a independência, em 1975. O período da família na África influenciou a cantora. Ela ouvia em casa músicas angolanas. Hoje menciona como fadistas preferidos Cesária Évora e Tito Paris, ambos cabo-verdianos.

Tal como Ana, o grupo Deolinda recebeu a influência de estilos diversos, identificáveis nos seus dois CDs, Canção ao Lado (2008) e Dois Selos e um Carimbo (2010). “Embora tenhamos quatro personalidades diferentes, escutamos músicas parecidas: a matriz é a mesma”, diz José Pedro Leitão a CartaCapital. No DNA musical do quarteto estão impressas as marcas de Nirvana, Pearl Jam, Caetano Veloso, Chico -Buarque, Elis Regina e Marcelo Camelo.

Lançado há dois anos pelo grupo Hoje, Amália Hoje é um disco com nove canções consagradas por Amália Rodrigues (1920-1999). Curiosamente, Nuno Gonçalves, idealizador do projeto, não é um apreciador do gênero. Ele é o tecladista da banda pop portuguesa The Gift. “Meu pai ouvia as músicas da Amália no banheiro. Eu queria escutar Sex Pistols, enquanto crescia nos anos 1980”, diz Gonçalves. “Na adolescência, rejeitei a associação de Portugal ao fado, futebol e Nossa Senhora de Fátima.”

“A página foi virada pelos mais jovens”, diz o tecladista. “Existe uma nova geração de fadistas que fala de jazz, rock, tecno e house music.” Com Sônia Tavares (vocalista do The Gift), Fernando Ribeiro (vocalista da Moonspell, banda de heavy metal) e Paulo Praça (vocalista), Gonçalves criou o CD mais vendido de 2009 em Portugal. Concebido sob uma sonoridade pop com o uso de sintetizadores, o disco tem arranjos orquestrais que imprimem ao fado características “épicas”. “Houve uma rejeição da velha-guarda, mas as vozes fundamentalistas se calaram”, diz.

Para ele, as gerações que não acompanharam Amália têm “uma visão distorcida” sobre a Rainha do Fado, associada à tristeza e à desesperança. “Amália foi uma pop star, talvez a única de Portugal”, diz. “Ela cantou no mundo todo, falou outras línguas, apareceu na tevê, hospedou-se nos melhores hotéis, tratou Frank Sinatra sem cerimônia.” Seria um equívoco, diz o tecladista, confundir Amália com “xale negro e guitarra portuguesa”.

O sucesso dos grupos Hoje e Deolinda tem a ver com a valorização da cena fadista de Portugal, sobretudo de Lisboa, segundo a musicóloga Lila Ellen Gray. “Atualmente, muitos jovens cantam o fado tradicional e o fado-canção. Não estamos mais na era em que o fado é dominado por uma estrela apenas”, diz. Professora da Columbia University, Ellen terminou há pouco Resounding History: Politics of the soul in Lisbon’s fado, livro a ser publicado pela Duke University Press no próximo ano.

“Criado no início do século XX, o estereótipo do fado como a alma atemporal de Portugal circula na mídia e em discos destinados ao mercado internacional”, diz. “Fadistas falam do gênero como algo inato, impossível de ser aprendido.” Em sua obra, Ellen discute a ideia de que os cantores e instrumentistas nascem sabendo o fado. “Existe um aprendizado e boa parte dele se dá fora de instituições formais.”

A noção de uma identidade portuguesa é indispensável no país em crise, “habitado por gente que conhecemos mal, por quem não temos especial estima e que certamente merece o fardo que lhes cabe carregar”, escreve o sociólogo Boaventura de Sousa Santos no seu livro mais recente, Portugal –- Ensaio contra a autoflagelação (Almedina, 2011). “Portugal foi o único país colonizador a ser considerado por outros colonizadores um país nativo ou selvagem.”

Santos examina, no ensaio sobre os problemas econômicos e sociais de Portugal, o suposto caráter “ambíguo”, “indefinido” do homem português, encurralado entre a ansiedade por mudança e o medo paralisante da novidade. Diante dessa relação difícil com a lusitanidade, apontada por Santos, o fado representaria um porto seguro.

Segundo Ellen, a discussão sobre as origens dessa canção urbana está ativa. “Provavelmente, o fado nasceu como um gênero poético cantado na Lisboa da primeira metade do século XIX”, diz. “A capital de Portugal é uma cidade portuária com tradição de trocas culturais.” Para a musicóloga, os mouros e o Brasil exerceram influência sobre o desenvolvimento do gênero.

A academia debate as ligações entre o fado e a ditadura de António de Oliveira Salazar (1889-1970). “A política cultural nos primeiros anos do regime salazarista fomentou a profissionalização do gênero por meio da criação das casas de fado oficiais”, diz. “Ao mesmo tempo, letras de canções foram censuradas.” A relação complicada do começo aplainou-se quando o regime declinava. A fama internacional de Amália serviu ao nacionalismo de Salazar.

Após a Revolução dos Cravos (1974), os portugueses associaram o fado ao salazarismo. Àquela altura, preferiram escutar jazz, Beatles e canções de intervenção. Casas de fado fecharam. “Nos anos posteriores à revolução, alguns fadistas imaginaram novas possibilidades para o futuro.” O fado é hoje o que era no seu berço: uma música em contato com diferentes culturas.