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A conversation about cultural appropriation in rap

CHECK A PIECE ABOUT HIP-HOP AND RACE

 

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Bailarina brasileira conquista os Estados Unidos

Leia entrevista com Carla Körbes, primeira-bailarina do Pacific Northwest Ballet

Check an interview with Carla Körbes, a principal dancer at the Pacific Northwest Ballet

 

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Carla Körbes tem os Estados Unidos a seus pés. Aos 31 anos, no auge da carreira, a bailarina brasileira é unanimidade entre a crítica americana. “Quando ela dança, o tempo para”, publicou a revista “Vanity Fair”. “Reconhecida como uma das bailarinas mais notáveis da América, ela é uma mulher encantadora com cabelos volumosos de fios dourados, uma voz de sotaque delicado e um senso de humor seco”, descreveu reportagem do “The New York Times”. “Ela é a melhor coisa vinda de Seattle depois do Starbucks”, brincou o “New York Post”.

O elogio bem-humorado do tabloide nova-iorquino se refere à cidade-sede da rede de cafés e do Pacific Northwest Ballet (PNB), companhia onde Carla é primeira-bailarina desde 2006. No meio do mês, a brasileira esteve em Nova York para apresentações que celebraram os 40 anos do PNB. Dançou “Apollo” (coreografia de George Balanchine) e “Romeu e Julieta” (Jean-Christophe Maillot) no New York City Center. Ao avaliar essas performances, Alastair Macaulay, o crítico sênior de dança do “Times”, reforçou uma vez mais sua admiração por ela. “Quando Carla Körbes representa Terpsícore em ‘Apollo’, a companhia mostra uma bailarina com quem todos os praticantes de balés do Balanchine podem hoje aprender.”

O retorno a Manhattan é significativo para Carla, pois ali ela desenvolveu a sua trajetória bem-sucedida. Quando estreou nos palcos do New York City Ballet (NYCB), 12 anos atrás, suas qualidades logo chamaram a atenção. Os especialistas exaltaram o fato raro de ela ser uma “bailarina lírica”. “Lirismo significa dançar conforme a música”, afirma Carla em entrevista ao Valor. “O jeito de mexer os braços é mais lento, redondo, solto. Não há movimentos bruscos.” Essa característica se transformaria, segundo Macaulay, “na representação de uma beleza elegante” que atualmente “é inigualável” nos EUA.

 

Crédito Angela Sterling

Crédito Angela Sterling

 

Antes de entrar no NYCB, Carla estudou na School of American Ballet, a escola da companhia nova-iorquina. Ela se mudou para Nova York em 1996, após ser descoberta por Peter Boal em visita ao Ballet Vera Bublitz, em Porto Alegre. Na ocasião, Boal, a estrela do NYCB, e Carla, então com 14 anos, dançaram “Apollo”. “Boal disse: ‘Essa garota tem muito talento. Ela tem de sair [do país] imediatamente, e não só quando completar 18 anos'”, recorda Carla.

Não cogitava mudar-se para os EUA. Os planos eram terminar o ensino médio e, quem sabe, fazer audições na Europa. Na verdade, quando Carla pensava em Nova York, o American Ballet Theater (ABT) vinha à sua mente. “Eu me imaginava dançando clássicos como ‘O Lago dos Cisnes’ e ‘A Bela Adormecida’.”

Fundado em 1937 e considerado o representante da tradição, o ABT ganhou um contraponto no NYCB, criado dez anos depois por Balanchine em parceria com o empresário americano Lincoln Kirstein para ser um espaço de experimentação. Nascido na Rússia, Balanchine (1904-1983) ampliou a linguagem clássica, ao intensificar elementos básicos do vocabulário do balé e moldar os passos dos bailarinos de acordo com o tempo musical. A música é fundamental nas coreografias de Balanchine, como provam seus trabalhos bem-sucedidos com o compositor Igor Stravinsky (1882-1971), associação que mudou a história do balé no século XX.

“Para mim foi fácil, pois cresci com música clássica em casa”, diz Carla, que começou a dançar aos 5 anos. “Mas a minha mãe só me deixou fazer a audição para a School of American Ballet em 1996, porque pensou que eu não ia passar.” Sem falar inglês quando chegou, Carla cumpriu a primeira temporada de treinamentos. “Pude continuar porque Alexandra Danilova doou em testamento uma herança para manter os meus estudos na escola.” Bailarina e professora, Alexandra Danilova (1903-1997) foi celebrada pela versatilidade de movimentos, as pernas “fotogênicas” e a presença de palco intensa. Ela e Balanchine deixaram a União Soviética em 1924, foram namorados e com outros dançarinos fizeram a companhia nova-iorquina progredir. “De certo modo, eu trato as audiências americanas como minhas crianças, pois ajudei a educá-las”, Alexandra escreveu em sua autobiografia.

 

Crédito Angela Sterling

Crédito Angela Sterling

 

O encantamento de Carla com as coreografias do NYCB foi imediato. “O balé pode ser um pouco rígido, seja na postura da cabeça ou no movimento das mãos e dos braços. Balanchine liberou os bailarinos”, diz. “Outra vantagem é o corpo de baile com seu estilo mais dinâmico e atuante.” A maior qualidade de Carla, porém, se tornou o anúncio de um obstáculo. Como foi entendida como bailarina lírica, ela poderia representar somente personagens com essa característica. “Percebi que depois de dez anos, mesmo sendo promovida, eu faria sempre os mesmos papéis.”

Em 2006, um ano após se tornar solista do NYCB, Carla foi contratada pelo Pacific Northwestern. “Desejava ser uma bailarina mais completa.” A decisão pareceu inconsequente, afinal Nova York é um dos centros mundiais do balé. “Depois de ser a primeira brasileira a entrar no NYCB e formar uma audiência em seis anos de atuação, eu me mudei para um novo ambiente, onde de novo tive de provar o meu talento. A sensação era igual à de começar do zero.” Outro problema para o recém-chegado é a temida competição, “necessária, mas só válida se construtiva”. “As outras bailarinas se sentiram ameaçadas porque achavam que iam perder o lugar para alguém mais talentoso.”

No PNB, sob a direção de Boal, Carla dança os trabalhos de coreógrafos mais dinâmicos – William Forsythe e Merce Cunningham – e clássicos como “O Lago dos Cisnes”, “O Quebra-Nozes” e “Dom Quixote”. Em Seattle, ela aliou a tradição à modernidade. As diferenças entre o apego ao passado e a tendência à inovação costumam causar conflitos no universo competitivo do balé. Esse tipo de embate permeia a briga atual por poder no Balé Bolshoi.

O diretor artístico Sergei Filin, introdutor de coreografias contemporâneas na companhia russa, sofre a oposição de Nikolai Tsiskaridze, bailarino influente contrário à modernização do repertório. Na etapa mais violenta do choque de interesses dentro do Bolshoi, Filin sofreu sérias queimaduras quando, em janeiro, um desconhecido jogou ácido sulfúrico no seu rosto. Na passagem por Nova York, Carla encontrou David Hallberg, o primeiro bailarino americano a integrar a companhia russa. “Estava arrasado com os últimos acontecimentos”, diz. “Esse escândalo contraria o propósito do balé: trazer beleza ao mundo.”

http://www.valor.com.br/cultura/3027346/lirismo-em-movimento#ixzz2NLkZfrlL

A voz e o balanço do Black Power

Leia texto sobre a biografia de James Brown publicado pela revista Carta Capital

Check a piece about James Brown’s biography published by Carta Capital magazine

 

 

O fim da companhia de Merce Cunningham

Leia reportagem sobre o legado do coreógrafo Merce Cunningham. Publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 27 de dezembro de 2011

Check a piece about the Merce Cunningham’s artistic legacy published by Folha de S. Paulo on December 27th 2011

 

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Legado do coreógrafo Merce Cunningham permanecerá nos palcos

FRANCISCO QUINTEIRO PIRES

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NY

Antes de morrer em 26 de julho de 2009, o coreógrafo e bailarino Merce Cunningham planejou a preservação da sua obra. Mesmo definindo a dança como “água que escorre pelos dedos, uma substância que logo desaparece”, ele desejou eternizar movimentos criados em mais de 65 anos de carreira.

O primeiro passo soa contraditório: o fim da Merce Cunningham Dance Company em 31 de dezembro, quando apresenta a coreografia de “Events” no Park Avenue Armory, em Manhattan.

Fundada em 1953, a companhia faz a última performance após quase dois anos na estrada com a série The Legacy Tour. Desde fevereiro de 2010, mais de 150 apresentações de 18 coreografias –algumas fora do palco há décadas– foram realizadas em 50 cidades da América do Norte, Ásia e Europa.

“Cunningham decidiu fechar a companhia porque não queria dançarinos que não foram treinados por ele”, diz Trevor Carlson, diretor-executivo da Merce Cunningham Dance Company. “Ele imaginou uma companhia-museu.”

Trevor Carlson cita Martha Graham para explicar o pioneirismo de Cunningham (1919-2009).

Em 1926, a coreógrafa fundou a sua companhia, hoje a mais antiga em funcionamento nos Estados Unidos. “Após Martha morrer, em 1991, o seu grupo aceitou dançar obras de outros coreógrafos.”

Cunningham, ao contrário, decidiu que sua companhia deveria encerrar as atividades no próximo dia 31 de dezembro, dois anos após sua morte. “É preciso, porém, deixar claro: não é o fim das coreografias de Cunningham”, diz Carlson. “Há pelo menos 40 anos, outros grupos vêm apresentando as suas criações. O seu repertório continuará nos palcos.”

Cunningham previu duas medidas para a preservação de sua obra: a criação de “cápsulas de dança” e auxílio financeiro aos dançarinos.

As cápsulas são arquivos digitalizados que reúnem vídeos das coreografias e anotações do coreógrafo. Amante da tecnologia, Cunningham usou o programa de computador Life Forms para criar sua arte nos anos 1990. Também adotou a técnica de captação de movimentos na peça “Biped” (1999).

Segundo Carlson, no próximo ano começa o licenciamento dos espetáculos para outras companhias. A decisão sobre direitos autorais se concentra no Merce Cunningham Trust, fundado em 2000, cuja sede será transferida para o New York City Center, onde haverá aulas sobre a técnica de Cunningham.

“Existe um compromisso financeiro para apoiar a transição dos dançarinos. Garantimos a eles salários por até quatro anos”, diz Carlson. “Cada um é livre para decidir o que vai fazer.”

Carlson enfatizou a oferta de planos de saúde para os 15 dançarinos, sempre sujeitos a contusões. “Tratamento médico nos EUA é caríssimo. Deixar um dançarino arcar com isso se tornaria um fardo.”

DESPEDIDA

Às vésperas das performances no Park Avenue Armory, a atmosfera na companhia não é de desolação. “Estamos orgulhosos apenas.” Criado para o galpão de 5.000 m² do Armory, “Events” terá seis apresentações, de 45 minutos cada uma, entre os dias 29 e 31 deste mês.

Trata-se de uma colagem de outras coreografias de Cunningham organizada por Robert Swinston para ocupar simultaneamente três palcos. A cargo de Daniel Arsham, o cenário vai exibir fotos de nuvens reproduzidas em larga escala e tiradas pela janela do avião, enquanto a companhia viajava.

Compostas por Takehisa Kosugi, David Behrman, John King e Christian Wolff, as músicas de “Events” serão executadas em sequências diferentes a cada performance. A pedido de Cunningham, os ingressos custam US$ 10 (cerca de R$ 18).

 

 

Merce Cunningham cultivou parceiros como John Cage e Radiohead

FRANCISCO QUINTEIRO PIRES

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NY

Dançar com Merce Cunningham, conta Patricia Lent, era uma experiência “estranha”. “Havia silêncio no estúdio. Dançávamos sem música, figurino e cenário. Ele mostrava um conjunto de movimentos e, de repente, parava o cronômetro: era só o tempo de percebermos fisicamente a sua proposta.”

Dançarina da companhia entre 1984 e 2003, Patricia é diretora de licenciamento do repertório, composto por mais de 200 coreografias.

“Ele decidia ao acaso quais frases seriam simultâneas e quais sucederiam umas as outras”, diz. “No começo, tudo parecia arbitrário. Depois, surgia um senso de coerência, em que a sorte era a responsável por criar e resolver os problemas impostos pela criação.”

AUTONOMIA

Merce Cunningham liberou a dança da sua tradicional dependência da música. Também deu autonomia à produção de figurino e cenário. Assim, influenciou o trabalho dos coreógrafos Paul Taylor, Viola Farber, Karole Armitage, Twyla Tharp e Mark Morris.

Os elementos do espetáculo se encontravam somente às vésperas da apresentação. “Ninguém sabia o que o outro estava fazendo até ser tarde demais. Isso é doloroso, mas estimulante”, disse Robert Rauschenberg (1925-2008), pintor, escultor e ex-diretor artístico da companhia.

Esse processo se estabeleceu com “Suite by Chance” (1953), um dos frutos da parceria –que durou meio século– com o compositor John Cage (1912-1992). Cunningham adotou o acaso por influência de Cage, apreciador do livro chinês “I Ching”.

Autor de “Merce Cunningham, The Modernizing of Modern Dance” (2004), Roger Copeland defende a importância da colaboração para a arte do coreógrafo. “Havia uma sensibilidade compartilhada”, escreve.

Além de Cage e Rauschenberg, Cunningham teve como principais colaboradores o músico David Tudor (1926-1996) e o artista Jasper Johns. Na década passada, trabalhou com as bandas Radiohead e Sonic Youth.

Dançarino da companhia de Martha Graham entre 1939 e 1945, ele se afastou da técnica primitivista da coreógrafa. Para Cunningham, a dança não representava nada além de si mesma. “O seu legado é o da liberdade curiosa em relação aos movimentos variados do corpo”, diz Trevor Carlson, diretor-executivo da companhia.

Fado transcende fronteiras

Leia reportagem sobre o fado, canção urbana eleita pela UNESCO patrimônio imaterial da humanidade.

Publicada na edição 677 da revista Carta Capital

 

 

 

 

UM PÉ NA TRADIÇÃO, OUTRO NA REVOLTA

A imagem entrou para a história como mito. Vestida de preto, com o semblante austero, Amália Rodrigues inclinava para trás a cabeça, entrelaçava as mãos na frente do corpo e fechava os olhos para expressar os fados portugueses. Com essa postura, ela eternizou versos como Foi Deus/ Que me pôs no peito/ Um rosário de penas/ Que vou desfiando/ E choro a cantar. Assim foi por quase 60 anos, até Amália morrer em 1999.

Nos anos 2000, surgiu Deolinda, outro tipo de fadista. Lisboeta, ela canta sem o acompanhamento tradicional da guitarra portuguesa. Usa maquiagem, veste roupas de cores vibrantes, dança jocosamente, interpreta letras sobre os problemas do seu tempo e às vezes com final feliz.

Em janeiro deste ano, para as plateias que lotaram o Coliseu do Porto e o de Lisboa (as casas de espetáculos mais importantes de Portugal), Deolinda apresentou pela primeira vez a canção Parva Que Sou. Recebeu muitos aplausos por entoar versos como Sou da geração ‘vou queixar-me pra quê?’/ Há alguém bem pior do que eu na tevê e E fico a pensar/ Que mundo tão parvo/ Onde para ser escravo é preciso estudar.

A canção encarnou a insatisfação dos jovens portugueses com os rumos do país. Na internet, eles combinaram um protesto contra a situação econômica de Portugal, à época prestes a receber um resgate financeiro do FMI e da União Europeia, da qual é membro desde 1986. Em março, cerca de 100 mil pessoas saíram às ruas para reclamar contra o desemprego e a baixa remuneração. Ali se reuniu, segundo a imprensa portuguesa, a Geração Deolinda.

Na verdade, Deolinda não é uma fadista de carne e osso. É um personagem inventado por Ana Bacalhau (vocalista), José Pedro Leitão (baixista), Pedro da Silva Martins (violinista) e Luis José Martins (violinista). O quarteto tem uma visão heterodoxa do fado. Pertence a uma geração que está na casa dos 30 anos e que desde a década passada promove o renascimento do gênero, eleito em novembro, pela Unesco, patrimônio imaterial da humanidade. Mesma distinção que os mariachis mexicanos mereceram este ano e o samba do Recôncavo Baiano ganhou em 2005.

Representado por grupos e cantores como Ana Moura, António Zambujo, Cristina Branco, Carminho, Joana Amendoeira, Kátia Guerreiro, Mafalda Arnauth-, -Raquel Tavares, Hoje e Deolinda, o fado de agora está mais aberto para o mundo, com um pé na tradição e outro no presente. Ele flerta com o pop, o jazz, o rock, a música popular brasileira. Adota instrumentos elétricos e computadores. Dulce Pontes e Mariza, precursoras da nova onda, não estão mais sozinhas nos palcos portugueses e internacionais.

No primeiro fim de semana de dezembro, o cantor Camané e os grupos Deolinda, Hoje e Lisboa Soul se apresentaram na Brooklyn Academy of Music (BAM), em Nova York. Nos dias 2 e 3 deste mês, como parte da programação do 2011 Next Wave Festival, eles mostraram à plateia que lotou o BAM as vertentes tradicional e experimental do gênero. Durante os intervalos dos shows, o público lamentava não entender as letras, mas intuía o fatalismo e o desespero sugeridos pelo fado. Os americanos costumam compará-lo ao blues.

O mundo de língua inglesa gosta do fado. No verão passado, a cantora Ana Moura, de 31 anos, fez turnê pelos Estados Unidos e Canadá. Ela caiu nas graças de Prince quando o vocalista americano a viu em um show em Paris, há dois anos. Dali em diante, ele afirmava atravessar o Oceano Atlântico só para “pegar na cauda do vestido de Ana Moura”. Prince incluiu Walk in Sand, balada de inspiração portuguesa, no CD 20ten (2010).

Ana costuma cantar No Expectations, dos Rolling Stones, nas suas performances. Depois de a ouvirem numa taverna lisboeta, em 2007, os roqueiros ingleses se encantaram com sua voz e a convidaram para gravar com eles. O resultado: a fadista participa do CD Stones World: Rolling Stones Project, Volume II (2008).

Os pais de Ana viveram em Angola até a então colônia portuguesa conquistar a independência, em 1975. O período da família na África influenciou a cantora. Ela ouvia em casa músicas angolanas. Hoje menciona como fadistas preferidos Cesária Évora e Tito Paris, ambos cabo-verdianos.

Tal como Ana, o grupo Deolinda recebeu a influência de estilos diversos, identificáveis nos seus dois CDs, Canção ao Lado (2008) e Dois Selos e um Carimbo (2010). “Embora tenhamos quatro personalidades diferentes, escutamos músicas parecidas: a matriz é a mesma”, diz José Pedro Leitão a CartaCapital. No DNA musical do quarteto estão impressas as marcas de Nirvana, Pearl Jam, Caetano Veloso, Chico -Buarque, Elis Regina e Marcelo Camelo.

Lançado há dois anos pelo grupo Hoje, Amália Hoje é um disco com nove canções consagradas por Amália Rodrigues (1920-1999). Curiosamente, Nuno Gonçalves, idealizador do projeto, não é um apreciador do gênero. Ele é o tecladista da banda pop portuguesa The Gift. “Meu pai ouvia as músicas da Amália no banheiro. Eu queria escutar Sex Pistols, enquanto crescia nos anos 1980”, diz Gonçalves. “Na adolescência, rejeitei a associação de Portugal ao fado, futebol e Nossa Senhora de Fátima.”

“A página foi virada pelos mais jovens”, diz o tecladista. “Existe uma nova geração de fadistas que fala de jazz, rock, tecno e house music.” Com Sônia Tavares (vocalista do The Gift), Fernando Ribeiro (vocalista da Moonspell, banda de heavy metal) e Paulo Praça (vocalista), Gonçalves criou o CD mais vendido de 2009 em Portugal. Concebido sob uma sonoridade pop com o uso de sintetizadores, o disco tem arranjos orquestrais que imprimem ao fado características “épicas”. “Houve uma rejeição da velha-guarda, mas as vozes fundamentalistas se calaram”, diz.

Para ele, as gerações que não acompanharam Amália têm “uma visão distorcida” sobre a Rainha do Fado, associada à tristeza e à desesperança. “Amália foi uma pop star, talvez a única de Portugal”, diz. “Ela cantou no mundo todo, falou outras línguas, apareceu na tevê, hospedou-se nos melhores hotéis, tratou Frank Sinatra sem cerimônia.” Seria um equívoco, diz o tecladista, confundir Amália com “xale negro e guitarra portuguesa”.

O sucesso dos grupos Hoje e Deolinda tem a ver com a valorização da cena fadista de Portugal, sobretudo de Lisboa, segundo a musicóloga Lila Ellen Gray. “Atualmente, muitos jovens cantam o fado tradicional e o fado-canção. Não estamos mais na era em que o fado é dominado por uma estrela apenas”, diz. Professora da Columbia University, Ellen terminou há pouco Resounding History: Politics of the soul in Lisbon’s fado, livro a ser publicado pela Duke University Press no próximo ano.

“Criado no início do século XX, o estereótipo do fado como a alma atemporal de Portugal circula na mídia e em discos destinados ao mercado internacional”, diz. “Fadistas falam do gênero como algo inato, impossível de ser aprendido.” Em sua obra, Ellen discute a ideia de que os cantores e instrumentistas nascem sabendo o fado. “Existe um aprendizado e boa parte dele se dá fora de instituições formais.”

A noção de uma identidade portuguesa é indispensável no país em crise, “habitado por gente que conhecemos mal, por quem não temos especial estima e que certamente merece o fardo que lhes cabe carregar”, escreve o sociólogo Boaventura de Sousa Santos no seu livro mais recente, Portugal –- Ensaio contra a autoflagelação (Almedina, 2011). “Portugal foi o único país colonizador a ser considerado por outros colonizadores um país nativo ou selvagem.”

Santos examina, no ensaio sobre os problemas econômicos e sociais de Portugal, o suposto caráter “ambíguo”, “indefinido” do homem português, encurralado entre a ansiedade por mudança e o medo paralisante da novidade. Diante dessa relação difícil com a lusitanidade, apontada por Santos, o fado representaria um porto seguro.

Segundo Ellen, a discussão sobre as origens dessa canção urbana está ativa. “Provavelmente, o fado nasceu como um gênero poético cantado na Lisboa da primeira metade do século XIX”, diz. “A capital de Portugal é uma cidade portuária com tradição de trocas culturais.” Para a musicóloga, os mouros e o Brasil exerceram influência sobre o desenvolvimento do gênero.

A academia debate as ligações entre o fado e a ditadura de António de Oliveira Salazar (1889-1970). “A política cultural nos primeiros anos do regime salazarista fomentou a profissionalização do gênero por meio da criação das casas de fado oficiais”, diz. “Ao mesmo tempo, letras de canções foram censuradas.” A relação complicada do começo aplainou-se quando o regime declinava. A fama internacional de Amália serviu ao nacionalismo de Salazar.

Após a Revolução dos Cravos (1974), os portugueses associaram o fado ao salazarismo. Àquela altura, preferiram escutar jazz, Beatles e canções de intervenção. Casas de fado fecharam. “Nos anos posteriores à revolução, alguns fadistas imaginaram novas possibilidades para o futuro.” O fado é hoje o que era no seu berço: uma música em contato com diferentes culturas.

Louis Armstrong e o seu legado

Leia reportagem sobre Louis Armstrong, publicada na edição 675 da revista Carta Capital

Read a piece about Louis Armstrong published by Carta Capital magazine

 

 

 

Matthew Barney e a decadência dos EUA

Matthew Barney

A vaselina destoa ao cobrir parte de Secret Name, nova escultura de Matthew Barney em chumbo, cobre e zinco. Ela sugere uma suavidade pouco previsível para a atual obsessão de Barney: a catástrofe da mitologia norte-americana.

Secret Name (2008-11) é uma das três obras da exibição DJED. Feitas de metais usados no universo artístico e industrial, as esculturas pertencem a Ancient Evenings, o atual work in progress do autor de Cremaster (1994-2002) e Drawing Restraint, iniciado em 1987.

Elas ficaram expostas até 22 de outubro na Gladstone Gallery, em Chelsea. Companheiro da cantora Björk, Barney realizou a sua estreia nova-iorquina há 20 anos na mesma galeria.

Em elaboração desde 2007, o projeto chega pela primeira vez à Big Apple. Ele empresta o seu título de Ancient Evenings (1983), livro de Norman Mailer sobre os sete ciclos da morte e reencarnação descritos pela mitologia egípcia. Mailer conta a história de um homem, substituído por um carro na obra de Barney.

Ancient Evenings foi concebido como uma ópera de sete atos, da qual vão derivar esculturas e filmes. Barney escreveu o libreto e Jonathan Bepler compôs a música.

Três atos foram encenados até agora e tiveram como protagonista 1967 Chrysler Imperial, carro de luxo e objeto de fetiche.

Realizado em maio de 2008, o primeiro deles (REN) transcorreu durante 2 horas em uma concessionária de automóveis de Los Angeles, cercada por estradas, inúmeras vagas de estacionamento e lojas de cadeia, elementos típicos da paisagem urbana dos EUA. Cerca de 500 pessoas foram convidadas.

O segundo (SEKHEM) e o terceiro (KHU) ocorreram em dezembro de 2009 e outubro de 2010. As locações foram áreas industriais degradadas de Dearborn e Detroit, no Estado de Michigan. Cerca de 200 convidados viram as performances.

Ao contrário das duas anteriores, KHU durou mais de 6 horas e despertou comparações com O Anel do Nibelungo, ciclo de quatro óperas de Richard Wagner.

Conhecida como Motor City, Detroit tem sofrido com a crise das montadoras de carros e a evasão de 25% dos moradores na última década. Ancient Evenings se transformou, assim, na alegoria do declínio e possível renascimento do sonho norte-americano.

As novas esculturas de Barney são acompanhadas por 12 desenhos, nos quais surge a relação, muitas vezes sexual, entre homem e máquina. A fábula do escritor J.G. Ballard em Crash (1973), difundida pela adaptação de David Cronenberg para o cinema em 1996, vem à tona como um fantasma.

Composta de ferro fundido, DJED (2009-11) é o resultado da modificação do Chrysler Imperial em Osíris, deus egípcio representado ali em forma de hieróglifo. Canopic Chest (2009-11) traz o chassi daquele carro misturado com bronze. Ambas apresentam uma estética de terra arrasada similar à dos trabalhos do alemão Anselm Kiefer.

Quando anunciaram DJED, surgiram especulações sobre uma performance de Barney, 44, em Nova York. Nada está confirmado, porém. Se algo ocorrer, será de surpresa e para convidados.

Ocean’s Kingdom, de Paul McCartney, no New York City Ballet

Leia a seguir texto sobre Ocean’s Kingdom, balé criado por Paul McCartney para o New York City Ballet. Foi publicado pelo caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo, em 29 de setembro de 2011.

 

Os bailarinos Sara Mearns e Robert Fairchild em Ocean's Kingdom. Foto de Paul Kolnik

 

Público recebe balé de Paul McCartney sem entusiasmo em Nova York

FRANCISCO QUINTEIRO PIRES

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Quando “Ocean’s Kingdom”, balé musicado e escrito por Paul McCartney, terminou, o público aplaudiu sem entusiasmo. Poucos ficaram de pé na apresentação ocorrida no último sábado (24). A expectativa gerada pela mídia –afinal, é a estreia de McCartney no mundo da dança– não se concretizou no palco do David H. Koch Theater, casa do New York City Ballet.

O espetáculo de 50 minutos é dividido em quatro movimentos. Narra o embate maniqueísta entre o reino do oceano e o da terra. O fio condutor é o drama da princesa Honorata, filha do rei Oceano, líder do mundo marinho.

Certo dia, atrapalhando a vida idílica do reino submerso, rei Terra, seu irmão mais novo, príncipe Pedra, e os seus lacaios convidam Honorata e Oceano para um festejo. Honorata e Pedra se apaixonam. Terra também a deseja. Com a ajuda de Scala, chefe das empregadas de Honorata, ele sequestra e aprisiona a princesa do oceano.

A libertação vem com o arrependimento de Scala. Ela lança uma tempestade contra o rei Terra e os seus subordinados. Ao destruí-los, ela também se destrói. Pedra e Honorata ficam juntos.

“Ocean’s Kingdom” aborda um tema clássico: a complicada história de amor entre seres de mundos diferentes. Mas, como Paul McCartney disse em entrevistas, o balé também é um recado contra a destruição da natureza marinha.

Na atual temporada de outono, o New York City Ballet (NYCB) faz mais uma apresentação de Ocean’s Kingdom nesta quinta (29). A produção de US$ 800 mil volta aos palcos em janeiro (dias 19, 21, 24, 27 e 29).

Segundo a direção do NYCB, ao convidar McCartney para criar um balé, a companhia pretende renovar a sua audiência. O ex-beatle aceitou o convite porque era um desafio inédito. Ele não cobrou pelo trabalho.

A coreografia de Peter Martins, à frente do NYCB desde 1983, quando morreu o seu fundador, George Balanchine, conta sem inovação a história inventada por McCartney.

Martins é um coreógrafo conhecido por suas criações abstratas, que pouco combinariam com o neorromantismo dos quatro movimentos do novo balé. Autor de discos anteriores de música erudita, McCartney compôs belas melodias, como de costume, mas o resultado final é ingênuo, programático. “Ocean’s Kingdom” foi concebido como se o século 20 não tivesse existido para a música.

As roupas criadas por Stella McCartney, filha do ex-Beatle, adotaram as cores azul e verde para os personagens do oceano e os tons escuro e pastel para o seres da terra. O cenário é bem simples. A luz exerce um papel fundamental: quando varia do azul para o vermelho, ela marca a transição do universo aquático para o terrestre.

Os quatro movimentos, cujo lançamento em CD é no próximo dia 4, inspiraram uma coreografia repetitiva. Em cada movimento há pelo menos um pas de deux para registrar as oscilações emocionais da princesa Honorata (Sara Mearns) e do príncipe Pedra (Robert Fairchild). Um dos preceitos de Balanchine – “não existem novos passos, existem novas combinações” – foi ignorado por Martins.