CHECK A PIECE ABOUT JOHN FREEMAN, AUTHOR OF HOW TO READ A NOVELIST
Por Francisco Quinteiro Pires, para O Valor, de Nova York
Preocupado com a falta de tempo e de concentração, o crítico americano John Freeman desenvolveu uma relação cautelosa com a tecnologia. “Quando estou à espera de uma resposta importante, desligo o meu iPhone para não checar os e-mails”, diz. Ex-editor da revista literária “Granta” e autor de “The Tyranny of E-mail” (2009), livro a favor do uso econômico do correio eletrônico, Freeman não chega perto do computador antes de tomar o café da manhã.
“A mente ainda está fresca, não é bom distraí-la com informações fragmentadas sobre o mundo”, afirma. Embora esteja se acostumando com o hábito de ler em um tablet, ele prefere imprimir os livros e os textos recebidos por e-mail. “Em viagens de avião, quando consigo estar desconectado até da internet, costumo carregar comigo cerca de 9 kg de papel impresso”, conta. “Tomo cuidado para não espalhar as folhas pelo corredor.”
Ao embarcar para o Brasil, onde participou da 16ª Bienal Internacional do Livro do Rio, Freeman levou na bagagem de mão quatro livros (um de poesia, outro de contos, um romance e um volume de ensaios). “Quando canso de um gênero, posso pular para outro”, diz o crítico, sobre seu método de leitura. Na bienal, relatou a experiência de traduzir a ficção brasileira recente. Sob o comando de Freeman entre outubro de 2009 e julho deste ano, a “Granta” passou a publicar 12 edições estrangeiras em 11 idiomas, entre eles o português.
Lançada em novembro nos Estados Unidos e no Reino Unido, a “Granta 9 – Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros” desafiou, segundo Freeman, “o provincianismo da língua inglesa”. Esse volume lidou com dois obstáculos à publicação da literatura nacional no mercado anglo-saxônico: o custo da tradução e a necessidade de um rótulo. “À exceção de Machado de Assis e Clarice Lispector, que foram traduzidos e estudados, os brasileiros não tiveram espaço porque não foram incluídos entre os integrantes do boom latino-americano.”
Enquanto Freeman esteve no Rio, dois livros com a sua assinatura chegaram às livrarias brasileiras: “Como Ler um Escritor” e “Granta 11 – Os Melhores Jovens Escritores Britânicos”. Publicado pela Alfaguara, esse número da “Granta” (440 págs., R$ 49,90) é o penúltimo editado pelo crítico. Freeman deixou o cargo de editor da revista londrina depois de Sigrid Rausing, a proprietária do periódico e herdeira da multinacional Tetra Pak, anunciar cortes no orçamento. Desde então, parou de dividir o seu tempo entre Londres e Nova York. Mora hoje em um apartamento amplo no Chelsea, em Manhattan, onde organizou uma biblioteca de cerca de 9 mil volumes e escreveu o seu primeiro livro de poesia, previsto para ser lançado em 2014. Começou também a lecionar na Columbia University.
“Granta 11” reúne 20 autores britânicos de até 40 anos. É a primeira de quatro edições, lançadas a cada dez anos desde 1983, a escolher mais mulheres (12) do que homens (8). Integrantes da lista de 2003, Zadie Smith e Adam Thirlwell foram novamente selecionados. “Granta 11” apresenta um elenco cuja relação com a ideia de nacionalidade é complexa. Um dos autores, a paquistanesa Kamila Shamsie, havia apenas iniciado o processo de obtenção da cidadania britânica. Três têm ascendência africana (Taiye Selasi, Nadifa Mohamed e Helen Oyeyemi). Xiaolu Guo nasceu na China e Sunjeev Sahota é filho de indianos seguidores do siquismo. Os escritos de Nadifa e Benjamin Markovits apresentam personagens que não nasceram na Grã-Bretanha.
O cosmopolitismo pode levar a um debate sobre o que significa ser britânico atualmente. “Vislumbrávamos esse resultado”, diz Freeman, um dos sete jurados da edição. “O romance é um gênero social, por isso tem de estabelecer uma conexão com a realidade.” Se os suplementos literários da Inglaterra ainda prestam mais atenção a autores londrinos e brancos, eles ignoram a diversidade dos novos ficcionistas, de acordo com o crítico.
Ao mesmo tempo, Freeman acha perigosa a obsessão pela nacionalidade. “Todos vêm de algum lugar – esse fato tem de ser levado em conta”, afirma. A origem de quem escreve, porém, não pode ser uma camisa de força para o leitor ou o crítico. “Por exemplo, antes de James Baldwin ser americano, negro ou homossexual, ele é um escritor.” Freeman cita uma das seis regras da crítica literária estabelecidas por John Updike (1932-2009), para quem um resenhista deve analisar “o livro, não a reputação” de quem escreve. “Tente entender o que o autor desejou realizar e não o culpe por não alcançar o que ele não tentou”, escreveu Updike. A fim de ser justo, Freeman se preocupou em seguir essa norma nas entrevistas com 55 ficcionistas reunidas em “Como Ler um Escritor” (Objetiva, trad. Helena Londres, 312 págs., R$ 49,90).
“Quando converso com um autor, busco ao máximo me apagar nessa relação”, afirma o crítico, nascido em 1974. Se um entrevistador aparece demais, ele corre o risco de se tornar “pomposo”. O recurso de Freeman, ao entrevistar Toni Morrison, David Foster Wallace, Haruki Murakami, Jonathan Franzen, Norman Mailer, Orhan Pamuk, Doris Lessing e outros foi deixá-los falar livremente, como se estivessem pensando em voz alta.
Ele não gosta de fazer perguntas que soam como um confronto. Chama de “falácia” a tentativa de um jornalista ou crítico de associar o próprio trabalho ou problemas particulares a uma obra de ficção. Freeman aprendeu essa lição durante uma conversa com Updike em 2005. Enquanto perguntava sobre “Still Looking”, um volume de ensaios de Updike sobre arte americana, Freeman confessou estar se divorciando. A entrevista degringolou com a revelação. Ele define aquela atitude como “quebra de privacidade”, pois tentou recorrer a Updike, tema da sua dissertação de mestrado e por muito tempo o seu ídolo maior, para lidar com uma desilusão amorosa.
Freeman acha mais importante focar a obra literária. Para ele, a ficção tem a capacidade de mudar a imaginação dos indivíduos e assim expandir a sua noção do que é possível. Ele acredita que a literatura proclama a verdade perante o poder. “Ela ajuda a decidir o significado do espaço habitado pelos seres humanos ao abordar ansiedades e noções de status e pertencimento”, diz. Se renunciam a essa autonomia, as pessoas dependem cada vez mais do desempenho de instituições como o Estado. Essa dependência, segundo Freeman, pode se revelar nociva.