Leia a seguir texto sobre Botanica, do Momix, publicado pelo Caderno Eu & Fim de Semana do jornal Valor Econômico
Movimentos orgânicos
Por Francisco Quinteiro Pires | Para o Valor, de Nova York
Fundado há mais de 30 anos, o Momix oferece a Moses Pendleton a base necessária para explorar “zonas perigosas da fantasia”. A companhia de dança atua como “um cordão umbilical” para o americano de 62 anos. O coreógrafo confessa precisar dessa segurança para manter a sanidade. Do contrário, ao criar novos trabalhos, ele se perderia no espaço. E poderia não voltar à vida real. “Não estou interessado no que o mundo é, investigo o que o mundo pode ser”, diz ao Valor.
A realidade nua e crua, Pendleton prefere que seja tema de jornais. O palco é espaço das possibilidades. “Quando se apresenta, o Momix incentiva a fantasia, o mistério, o humor, o entretenimento.” Criação mais recente, “Botanica” não foge a essa regra que se tornou fonte de sucesso entre plateias internacionais. Após passar por Curitiba, Rio e Ribeirão Preto no ano passado, o espetáculo é apresentado pela primeira vez em São Paulo. O Teatro Alfa (rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro, tel.: 11 5693-4000) vai abrigar a partir desta sexta-feira e até o dia 7 nove performances. Os ingressos variam de R$ 80 a R$ 220.
A definição de botânica revela o processo criativo de Pendleton. É a ciência que envolve o estudo dos vegetais, a descrição das suas características morfológicas e a sua classificação. “O desafio foi traduzir os fenômenos do meu jardim para a magia da dança.” Jardinagem e fotografia são hobbies do coreógrafo.
“‘Botanica’ aborda também a relação entre o ser humano e as plantas.” Segundo o fundador do Momix, o conhecimento do homem sobre o seu ambiente está enfraquecido. “Todos devemos estar atentos, porque extraímos o nosso sustento desse contato com o mundo natural. As plantas não falam a nossa língua, mas têm algo a dizer e nós, a aprender.”
Embalado por cantos de pássaros e pelas músicas de Vivaldi e Peter Gabriel, “Botanica” se propõe a reproduzir no palco as metamorfoses diárias da flora e dos animais que precisam dela. O desenvolvimento do espetáculo segue o curso das quatro estações. A observação da estrutura das plantas, realizada em detalhes quando Pendleton as fotografa no jardim da sua casa, exerceu forte influência sobre a montagem do espetáculo.
O coreógrafo afirma ter ensaiado os dançarinos para encarnar em movimentos a descrição da flor segundo Maurice Maeterlinck (1862-1949). “A planta expande o seu ser para um único plano: ela quer escapar da fatalidade que a condena a estar sob o solo e, assim, entrar num mundo animado, localizado acima da terra”, diz Maeterlinck, poeta e ensaísta belga, ganhador do Prêmio Nobel de 1911.
Para Pendleton, essa é a coreografia mais “orgânica e inventiva” do Momix. Quando estreou no Joyce Theater, em Nova York, há mais de dois anos, “Botanica” foi definido pelo “The New York Times” como mistura de imagens maravilhosas e de coreografia monótona assentada em uma trilha sonora “new age”. Esse texto fez crítica recorrente nos últimos anos: as obras do Momix são parecidas entre si.
Quando não está ensaiando, Pendleton se isola no campo com os seus livros de poesia e o seu fone de ouvido. Gosta de ler o poeta francês Charles Baudelaire sob a luz do entardecer. Essa experiência, diz, provoca a sensação de que sumiu do mundo prático. O coreógrafo diz estar sempre elaborando uma nova criação, nascida dessa dedicação ao ócio. A essência de seu trabalho é uma negociação tensa entre ilusão e realidade, apreensão e estímulo. Os resultados se originam de uma fórmula composta de dança, acrobacia e teatro. A manipulação das luzes cria as imagens ilusórias.
Apresentado no Brasil em 2007, “Lunar Sea” é exemplo da importância da iluminação. A luz negra é capaz de revelar, no palco às escuras, as partes do cenário, dos objetos e do figurino pintados com tinta fosforescente. Os outros espetáculos, como “Baseball”, “Opus Cactus” e “Passion”, variam no tema, mas obedecem ao mesmo preceito de estímulo à fantasia. Pendleton trilha uma vereda desenvolvida pelos coreógrafos americanos Loie Fuller (1862-1928) e Alwin Nikolais (1910-1993) e pelas companhias Mummenschanz (Suíça) e Pilobolus (EUA).
Pendleton é um dos fundadores da Pilobolus, companhia de dança contemporânea criada em 1971 a partir de aulas de Alison Becker Chase no Dartmouth College. Naquela altura, ele afirma ter desenvolvido “uma experiência de dança catártica, extasiante”, vontade transposta para os trabalhos do Momix.
Após quase dez anos na Pilobolus, Pendleton lançou-se à carreira solo. Em 1978, comprou um imóvel de estilo vitoriano com 17 cômodos em Washington. Criou ali a sua base de operações e o espaço onde ensaiou a coreografia para o encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1980. Vive nessa propriedade com Cynthia Quinn, sua mulher e diretora associada. Ambos cuidam sozinhos da administração da companhia. Como outras empresas privadas, o Momix tem preocupação com os lucros. O coreógrafo admite ser obrigado a se transformar no “Sr. Realidade” todos os dias. Nos jantares com Cynthia, embalados por vinho e à luz de velas, os dois conversam sobre os problemas e tomam decisões.
Embora saiba que os brasileiros apreciem seus trabalhos – as apresentações costumam lotar, porque “o espírito alegre do Brasil combina com o Momix” -, Pendleton não tem certeza do sucesso. Quando manipula “as zonas perigosas da fantasia”, apenas a paixão, diz, pode impulsionar o seu desejo. “Depois de verem a nossa dança, quero que as pessoas saiam do teatro sentindo menos a força da gravidade.”