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Let the writers speak freely

CHECK A PIECE ABOUT JOHN FREEMAN, AUTHOR OF HOW TO READ A NOVELIST

 

Por Francisco Quinteiro Pires, para O Valor, de Nova York

Preocupado com a falta de tempo e de concentração, o crítico americano John Freeman desenvolveu uma relação cautelosa com a tecnologia. “Quando estou à espera de uma resposta importante, desligo o meu iPhone para não checar os e-mails”, diz. Ex-editor da revista literária “Granta” e autor de “The Tyranny of E-mail” (2009), livro a favor do uso econômico do correio eletrônico, Freeman não chega perto do computador antes de tomar o café da manhã.

“A mente ainda está fresca, não é bom distraí-la com informações fragmentadas sobre o mundo”, afirma. Embora esteja se acostumando com o hábito de ler em um tablet, ele prefere imprimir os livros e os textos recebidos por e-mail. “Em viagens de avião, quando consigo estar desconectado até da internet, costumo carregar comigo cerca de 9 kg de papel impresso”, conta. “Tomo cuidado para não espalhar as folhas pelo corredor.”

 

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Ao embarcar para o Brasil, onde participou da 16ª Bienal Internacional do Livro do Rio, Freeman levou na bagagem de mão quatro livros (um de poesia, outro de contos, um romance e um volume de ensaios). “Quando canso de um gênero, posso pular para outro”, diz o crítico, sobre seu método de leitura. Na bienal, relatou a experiência de traduzir a ficção brasileira recente. Sob o comando de Freeman entre outubro de 2009 e julho deste ano, a “Granta” passou a publicar 12 edições estrangeiras em 11 idiomas, entre eles o português.

Lançada em novembro nos Estados Unidos e no Reino Unido, a “Granta 9 – Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros” desafiou, segundo Freeman, “o provincianismo da língua inglesa”. Esse volume lidou com dois obstáculos à publicação da literatura nacional no mercado anglo-saxônico: o custo da tradução e a necessidade de um rótulo. “À exceção de Machado de Assis e Clarice Lispector, que foram traduzidos e estudados, os brasileiros não tiveram espaço porque não foram incluídos entre os integrantes do boom latino-americano.”

Capa Granta 11.inddEnquanto Freeman esteve no Rio, dois livros com a sua assinatura chegaram às livrarias brasileiras: “Como Ler um Escritor” e “Granta 11 – Os Melhores Jovens Escritores Britânicos”. Publicado pela Alfaguara, esse número da “Granta” (440 págs., R$ 49,90) é o penúltimo editado pelo crítico. Freeman deixou o cargo de editor da revista londrina depois de Sigrid Rausing, a proprietária do periódico e herdeira da multinacional Tetra Pak, anunciar cortes no orçamento. Desde então, parou de dividir o seu tempo entre Londres e Nova York. Mora hoje em um apartamento amplo no Chelsea, em Manhattan, onde organizou uma biblioteca de cerca de 9 mil volumes e escreveu o seu primeiro livro de poesia, previsto para ser lançado em 2014. Começou também a lecionar na Columbia University.

“Granta 11” reúne 20 autores britânicos de até 40 anos. É a primeira de quatro edições, lançadas a cada dez anos desde 1983, a escolher mais mulheres (12) do que homens (8). Integrantes da lista de 2003, Zadie Smith e Adam Thirlwell foram novamente selecionados. “Granta 11” apresenta um elenco cuja relação com a ideia de nacionalidade é complexa. Um dos autores, a paquistanesa Kamila Shamsie, havia apenas iniciado o processo de obtenção da cidadania britânica. Três têm ascendência africana (Taiye Selasi, Nadifa Mohamed e Helen Oyeyemi). Xiaolu Guo nasceu na China e Sunjeev Sahota é filho de indianos seguidores do siquismo. Os escritos de Nadifa e Benjamin Markovits apresentam personagens que não nasceram na Grã-Bretanha.

O cosmopolitismo pode levar a um debate sobre o que significa ser britânico atualmente. “Vislumbrávamos esse resultado”, diz Freeman, um dos sete jurados da edição. “O romance é um gênero social, por isso tem de estabelecer uma conexão com a realidade.” Se os suplementos literários da Inglaterra ainda prestam mais atenção a autores londrinos e brancos, eles ignoram a diversidade dos novos ficcionistas, de acordo com o crítico.

Capa Como ler um escritor.inddAo mesmo tempo, Freeman acha perigosa a obsessão pela nacionalidade. “Todos vêm de algum lugar – esse fato tem de ser levado em conta”, afirma. A origem de quem escreve, porém, não pode ser uma camisa de força para o leitor ou o crítico. “Por exemplo, antes de James Baldwin ser americano, negro ou homossexual, ele é um escritor.” Freeman cita uma das seis regras da crítica literária estabelecidas por John Updike (1932-2009), para quem um resenhista deve analisar “o livro, não a reputação” de quem escreve. “Tente entender o que o autor desejou realizar e não o culpe por não alcançar o que ele não tentou”, escreveu Updike. A fim de ser justo, Freeman se preocupou em seguir essa norma nas entrevistas com 55 ficcionistas reunidas em “Como Ler um Escritor” (Objetiva, trad. Helena Londres, 312 págs., R$ 49,90).

“Quando converso com um autor, busco ao máximo me apagar nessa relação”, afirma o crítico, nascido em 1974. Se um entrevistador aparece demais, ele corre o risco de se tornar “pomposo”. O recurso de Freeman, ao entrevistar Toni Morrison, David Foster Wallace, Haruki Murakami, Jonathan Franzen, Norman Mailer, Orhan Pamuk, Doris Lessing e outros foi deixá-los falar livremente, como se estivessem pensando em voz alta.

Ele não gosta de fazer perguntas que soam como um confronto. Chama de “falácia” a tentativa de um jornalista ou crítico de associar o próprio trabalho ou problemas particulares a uma obra de ficção. Freeman aprendeu essa lição durante uma conversa com Updike em 2005. Enquanto perguntava sobre “Still Looking”, um volume de ensaios de Updike sobre arte americana, Freeman confessou estar se divorciando. A entrevista degringolou com a revelação. Ele define aquela atitude como “quebra de privacidade”, pois tentou recorrer a Updike, tema da sua dissertação de mestrado e por muito tempo o seu ídolo maior, para lidar com uma desilusão amorosa.

Freeman acha mais importante focar a obra literária. Para ele, a ficção tem a capacidade de mudar a imaginação dos indivíduos e assim expandir a sua noção do que é possível. Ele acredita que a literatura proclama a verdade perante o poder. “Ela ajuda a decidir o significado do espaço habitado pelos seres humanos ao abordar ansiedades e noções de status e pertencimento”, diz. Se renunciam a essa autonomia, as pessoas dependem cada vez mais do desempenho de instituições como o Estado. Essa dependência, segundo Freeman, pode se revelar nociva.

Bailarina brasileira conquista os Estados Unidos

Leia entrevista com Carla Körbes, primeira-bailarina do Pacific Northwest Ballet

Check an interview with Carla Körbes, a principal dancer at the Pacific Northwest Ballet

 

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Carla Körbes tem os Estados Unidos a seus pés. Aos 31 anos, no auge da carreira, a bailarina brasileira é unanimidade entre a crítica americana. “Quando ela dança, o tempo para”, publicou a revista “Vanity Fair”. “Reconhecida como uma das bailarinas mais notáveis da América, ela é uma mulher encantadora com cabelos volumosos de fios dourados, uma voz de sotaque delicado e um senso de humor seco”, descreveu reportagem do “The New York Times”. “Ela é a melhor coisa vinda de Seattle depois do Starbucks”, brincou o “New York Post”.

O elogio bem-humorado do tabloide nova-iorquino se refere à cidade-sede da rede de cafés e do Pacific Northwest Ballet (PNB), companhia onde Carla é primeira-bailarina desde 2006. No meio do mês, a brasileira esteve em Nova York para apresentações que celebraram os 40 anos do PNB. Dançou “Apollo” (coreografia de George Balanchine) e “Romeu e Julieta” (Jean-Christophe Maillot) no New York City Center. Ao avaliar essas performances, Alastair Macaulay, o crítico sênior de dança do “Times”, reforçou uma vez mais sua admiração por ela. “Quando Carla Körbes representa Terpsícore em ‘Apollo’, a companhia mostra uma bailarina com quem todos os praticantes de balés do Balanchine podem hoje aprender.”

O retorno a Manhattan é significativo para Carla, pois ali ela desenvolveu a sua trajetória bem-sucedida. Quando estreou nos palcos do New York City Ballet (NYCB), 12 anos atrás, suas qualidades logo chamaram a atenção. Os especialistas exaltaram o fato raro de ela ser uma “bailarina lírica”. “Lirismo significa dançar conforme a música”, afirma Carla em entrevista ao Valor. “O jeito de mexer os braços é mais lento, redondo, solto. Não há movimentos bruscos.” Essa característica se transformaria, segundo Macaulay, “na representação de uma beleza elegante” que atualmente “é inigualável” nos EUA.

 

Crédito Angela Sterling

Crédito Angela Sterling

 

Antes de entrar no NYCB, Carla estudou na School of American Ballet, a escola da companhia nova-iorquina. Ela se mudou para Nova York em 1996, após ser descoberta por Peter Boal em visita ao Ballet Vera Bublitz, em Porto Alegre. Na ocasião, Boal, a estrela do NYCB, e Carla, então com 14 anos, dançaram “Apollo”. “Boal disse: ‘Essa garota tem muito talento. Ela tem de sair [do país] imediatamente, e não só quando completar 18 anos'”, recorda Carla.

Não cogitava mudar-se para os EUA. Os planos eram terminar o ensino médio e, quem sabe, fazer audições na Europa. Na verdade, quando Carla pensava em Nova York, o American Ballet Theater (ABT) vinha à sua mente. “Eu me imaginava dançando clássicos como ‘O Lago dos Cisnes’ e ‘A Bela Adormecida’.”

Fundado em 1937 e considerado o representante da tradição, o ABT ganhou um contraponto no NYCB, criado dez anos depois por Balanchine em parceria com o empresário americano Lincoln Kirstein para ser um espaço de experimentação. Nascido na Rússia, Balanchine (1904-1983) ampliou a linguagem clássica, ao intensificar elementos básicos do vocabulário do balé e moldar os passos dos bailarinos de acordo com o tempo musical. A música é fundamental nas coreografias de Balanchine, como provam seus trabalhos bem-sucedidos com o compositor Igor Stravinsky (1882-1971), associação que mudou a história do balé no século XX.

“Para mim foi fácil, pois cresci com música clássica em casa”, diz Carla, que começou a dançar aos 5 anos. “Mas a minha mãe só me deixou fazer a audição para a School of American Ballet em 1996, porque pensou que eu não ia passar.” Sem falar inglês quando chegou, Carla cumpriu a primeira temporada de treinamentos. “Pude continuar porque Alexandra Danilova doou em testamento uma herança para manter os meus estudos na escola.” Bailarina e professora, Alexandra Danilova (1903-1997) foi celebrada pela versatilidade de movimentos, as pernas “fotogênicas” e a presença de palco intensa. Ela e Balanchine deixaram a União Soviética em 1924, foram namorados e com outros dançarinos fizeram a companhia nova-iorquina progredir. “De certo modo, eu trato as audiências americanas como minhas crianças, pois ajudei a educá-las”, Alexandra escreveu em sua autobiografia.

 

Crédito Angela Sterling

Crédito Angela Sterling

 

O encantamento de Carla com as coreografias do NYCB foi imediato. “O balé pode ser um pouco rígido, seja na postura da cabeça ou no movimento das mãos e dos braços. Balanchine liberou os bailarinos”, diz. “Outra vantagem é o corpo de baile com seu estilo mais dinâmico e atuante.” A maior qualidade de Carla, porém, se tornou o anúncio de um obstáculo. Como foi entendida como bailarina lírica, ela poderia representar somente personagens com essa característica. “Percebi que depois de dez anos, mesmo sendo promovida, eu faria sempre os mesmos papéis.”

Em 2006, um ano após se tornar solista do NYCB, Carla foi contratada pelo Pacific Northwestern. “Desejava ser uma bailarina mais completa.” A decisão pareceu inconsequente, afinal Nova York é um dos centros mundiais do balé. “Depois de ser a primeira brasileira a entrar no NYCB e formar uma audiência em seis anos de atuação, eu me mudei para um novo ambiente, onde de novo tive de provar o meu talento. A sensação era igual à de começar do zero.” Outro problema para o recém-chegado é a temida competição, “necessária, mas só válida se construtiva”. “As outras bailarinas se sentiram ameaçadas porque achavam que iam perder o lugar para alguém mais talentoso.”

No PNB, sob a direção de Boal, Carla dança os trabalhos de coreógrafos mais dinâmicos – William Forsythe e Merce Cunningham – e clássicos como “O Lago dos Cisnes”, “O Quebra-Nozes” e “Dom Quixote”. Em Seattle, ela aliou a tradição à modernidade. As diferenças entre o apego ao passado e a tendência à inovação costumam causar conflitos no universo competitivo do balé. Esse tipo de embate permeia a briga atual por poder no Balé Bolshoi.

O diretor artístico Sergei Filin, introdutor de coreografias contemporâneas na companhia russa, sofre a oposição de Nikolai Tsiskaridze, bailarino influente contrário à modernização do repertório. Na etapa mais violenta do choque de interesses dentro do Bolshoi, Filin sofreu sérias queimaduras quando, em janeiro, um desconhecido jogou ácido sulfúrico no seu rosto. Na passagem por Nova York, Carla encontrou David Hallberg, o primeiro bailarino americano a integrar a companhia russa. “Estava arrasado com os últimos acontecimentos”, diz. “Esse escândalo contraria o propósito do balé: trazer beleza ao mundo.”

http://www.valor.com.br/cultura/3027346/lirismo-em-movimento#ixzz2NLkZfrlL

A poética da resistência

Leia entrevista com Benh Zeitlin, diretor de Indomável Sonhadora, indicado ao Oscar de melhor filme deste ano

Check an interview with Benh Zeitlin, director of Beasts of the Southern Wild, an Oscar nominee for best picture

 

Beasts of the Southern Wild

Violência lucrativa

Leia reportagem sobre o filme Busca Implacável 2 publicada pelo jornal Valor Econômico

Check a piece about Taken 2 published by Valor Econômico newspaper

 

A mente de David Foster Wallace

Leia reportagem sobre a obra e a vida de David Foster Wallace publicada pelo Valor Econômico

Check a story about David Foster Wallace’s life and work published by Valor Econômico

 

Efeito Warhol

Leia reportagem sobre a exposição de Andy Warhol no Metropolitan Museum of Art publicada pelo jornal Valor Econômico

Check a piece about a Andy Warhol’s exhibition at the Metropolitan Museum of Art published by Valor Econômico, a Brazilian newspaper

 

Uma América extinta é preservada em cores

Leia reportagem sobre o fotógrafo Charles Cushman publicada pelo jornal Valor Econômico

Check a piece about photographer Charles Cushman published by Valor Econômico newspaper.

 

Nostalgia como resposta às mudanças

Leia abaixo íntegra de texto sobre a 84 edição do Oscar publicado pelo jornal Valor Econômico

Check a piece about the 84th Annual Academy Awards published by Valor Econômico newspaper

 

Francisco Quinteiro Pires
Nova York

Em A Invenção de Hugo Cabret, filme de Martin Scorsese, o personagem Hugo (Asa Butterfield) convida a sua amiga Isabelle (Chloë Grace Moretz) para viver “uma aventura”. Os dois garotos encontram o que procuram dentro de uma sala de cinema onde se exibem cenas de O Homem Mosca, com o astro do cinema mudo Harold Lloyd (1893-1971). Algum tempo depois, Mama Jeanne (Helen McCrory), esposa do mágico e cineasta Georges Méliès (Ben Kingsley), afirma para eles que o esquecimento do passado não gerou “nada além de infelicidade”.

 

 

A nostalgia é a nova moda, dizem especialistas entrevistados pelo Valor Econômico sobre a 84 edição do Oscar. A Invenção de Hugo Cabret e O Artista, os favoritos à estatueta de melhor filme, prestam uma clara homenagem à infância e à magia do cinema.

Outros longas-metragens indicados à categoria de melhor filme se encaixam “nessa tendência”, segundo Annette Insdorf, professora de cinema da Columbia University. “De fato, a sugestão de uma volta ao passado tem força. O saudosismo não é só em relação ao cinema mudo”, diz Insdorf. “Meia-Noite em Paris, do Woody Allen, trata da atmosfera intelectual da Paris dos anos 1920. Cavalo de Guerra, de Steven Spielberg, é descaradamente antiquado. Mesmo A Árvore da Vida, de Terrence Malick, tem um ar nostálgico por conta do enredo calcado em fatos passados, assim como Histórias Cruzadas, de Tate Taylor, com a sua exploração dos conflitos raciais nos Estados Unidos de 50 anos atrás.”

A princípio, as indicações deste ano foram entendidas como caóticas, segundo Betsy Sharkey, crítica de cinema do jornal Los Angeles Times. Mas o foco do debate se concentrou em O Artista, do francês Michel Hazanavicius, considerado o “grande favorito” ao prêmio principal. Ao acompanhar a decadência do ator George Valentin (Jean Dujardin), o filme aborda a transição do cinema mudo para o falado no fim dos anos 1920.

 

 

Para Sharkey, a nostalgia presente com tanta clareza em O Artista, A Invenção de Hugo Cabret e Meia-Noite em Paris reflete “uma exaltação ao processo criativo do cinema”. Essa é a mesma opinião de Paoula Abou-Jaoude, membro desde 1998 da The Hollywood Foreign Press Association, responsável pela premiação do Globo de Ouro. “Existe uma saudade das histórias bem contadas. O Artista, por exemplo, é uma história clássica de amor, com um trilha sonora fantástica, que poderia ser narrada em qualquer época, apesar do seu contexto específico”, diz Abou-Jaoude.

Não fosse essa onda saudosista, diz Abou-Jaoude, Os Descendentes, de Alexander Payne, “estaria com a estatueta garantida, pois é um filme independente com um assunto bem emocional”, uma das preferências recentes da Academia. Nesse longa-metragem, Matt King (George Clooney) tenta se relacionar com as duas filhas após sua mulher sofrer um acidente de barco.

 

 

Com o sucesso inesperado de O Artista, a indústria do entretenimento passou a explorar o filão. Até o fim deste ano, vai estrear na Broadway um musical sobre a vida de Charlie Chaplin (1889-1977). Silent Life, filme sobre Rudolph Valentino, ator do cinema mudo que morreu precocemente, está em fase de pós-produção. O longa-metragem tem Isabella Rossellini como estrela.

O refúgio no passado pode ter duas explicações: alienação política e mudanças tecnológicas. Para Annette Insdorf, os indicados ao Oscar não refletem a situação corrente dos Estados Unidos, ainda convalescentes de uma forte crise econômica iniciada em 2008. “A exceção é Tudo pelo Poder, que trata de campanha eleitoral e candidatos desonestos”, diz Insdorf. Dirigido por George Clooney, o longa-metragem foi indicado à categoria de melhor roteiro adaptado. O filme baseia-se em Farragut North, peça de teatro inspirada na campanha de Howard Dean para ser o candidato a presidente do Partido Democrata em 2004.

“Os últimos anos têm sido difíceis nos EUA e, tal como a Academia, os espectadores veem o cinema como uma possibilidade de escape e não de reflexão sobre a atualidade”, diz Betsy Sharkey. “Essa atitude torna complicada a aceitação de filmes com temas políticos, sociais e econômicos. Daí a falta de fôlego de Tudo pelo Poder e Margin Call – O Dia Antes do Fim.” Indicado ao Oscar de melhor roteiro original, Margin Call, de J.C. Chandor, acompanha o comportamento de funcionários de um banco de investimentos, às vésperas de uma crise financeira de grande proporções, uma referência clara à crise de 2008.

 

 

“Existe uma rejeição aos temas pessimistas. Filmes provocadores com atuações excelentes foram ignorados: Melancolia, com a atriz Kirsten Dunst; Shame, com Michael Fassbender; e Precisamos Falar sobre o Kevin, com Tilda Swinton”, diz Sharkey. “Neste ano a Academia parece disposta a contemplar os filmes de temática mais esperançosa.”

Os enredos são, de fato, indigestos. Melancolia, do diretor Lars von Trier, narra o relacionamento de duas irmãs enquanto um planeta está prestes a colidir com a Terra. Shame, de Steve McQueen, conta detalhes da vida privada de um ninfomaníaco em Nova York. Dirigido por Lynne Ramsay, Nós Precisamos Falar sobre o Kevin mostra o drama de uma mãe envolvida com a responsabilidade sobre os atos do seu filho depois de ocorrerem assassinatos numa escola.

A alienação dos indicados ao Oscar deste ano é uma posição contrária à do Sundance Film Festival, ocorrido em Utah entre 19 e 29 de janeiro. Segundo reportagem de Brooks Barnes para The New York Times, o Sundance mostrou como a tecnologia digital ajuda os cineastas a capturar “o momento”. Os longas-metragens, sobretudo os documentários, exibem “o sonho norte-americano transformado em pesadelo”.

Não por acaso, o júri do festival elegeu como melhor filme Beasts of The Southern Wild, de Benh Zeitlin, o qual aborda, em essência, o descaso histórico com o Sul dos Estados Unidos. O melhor documentário foi The House I Live In, de Eugene Jarecki, uma análise sobre a política do governo norte-americano de combate às drogas durante as últimas quatro décadas.

Antes os filmes tinham “um atraso de 3 a 5 anos para tratar da realidade do país”, escreveu Brooks Barnes. Foi assim, por exemplo, com os ataques terroristas ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001. Por obra da tecnologia digital, esse intervalo foi superado. Programas de edição permitem que um filme seja finalizado em até quatro meses e sem tantos custos. Agora, os cineastas trabalham em casa e com rapidez.

O Oscar mostra, porém, que o uso da tecnologia digital pode ter outro tipo de influência. “Ela também serve para arrecadar”, diz Paoula Abou-Jaoude. “Hoje o espectador pode escolher entre ver uma imagem bárbara de 3D em uma sala IMAX ou assistir a um filme em casa, o que é mais barato.” Existe uma mudança no modo como se veem e distribuem as obras cinematográficas. Os estúdios estão mais atentos à sedução tecnológica que pode tirar as pessoas do conforto do lar.

“Filmes via internet são o futuro”, diz Abou-Jaoude. O serviço, oferecido por Netflix e Amazon, por exemplo, é um fenômeno que perturba os grandes estúdios de Hollywood. Ele representa um obstáculo ao lucro outrora obtido pelos estúdios com a venda de DVDs.

Para se ter uma ideia, por US$ 3,99, o espectador compra na Amazon e vê pelo computador filmes como Meia-Noite em Paris, Histórias Cruzadas e O Homem Que Virou o Jogo, todos indicados ao Oscar de melhor filme. O preço médio de um ingresso de cinema em Nova York – US$ 12,50 – quase paga a mensalidade de um dos pacotes do Netflix. Por US$ 15,98, um assinante tem direito à entrega de DVDs pelo correio e a uma quantidade imensa de películas disponíveis para exibição via internet. O preço cai pela metade (US$ 7,99) se o pacote oferecer apenas filmes on-line.

Segundo a empresa de telecomunicações AT & T, o Netflix, tendo mais de 24 milhões de assinantes, chega a ser o responsável por cerca de 30% do fluxo de dados gerado na rede virtual dos Estados Unidos e Canadá. “Cada vez mais o controle se transfere dos estúdios para as mãos da audiência”, diz Betsy Sharkey.

 

 

A possibilidade de exibir a sua obra pela Internet fez com que os cineastas não ficassem escravos dos altos custos de distribuição. “De 5 a 7 milhões de pessoas podem hoje assistir a um filme que talvez nunca chegasse às salas de cinema”, diz Abou-Jaoude. A guerra atual se trava entre a tela grande e a tela do computador. A nostalgia vem de mais um momento de transição na história cinematográfica. Para Sharkey, “pertencemos a uma cultura da demanda e os filmes acabam seguindo essa tendência.” Se existe um limite para o poder da imaginação, ele é estabelecido pelo bolso dos espectadores.

Pauline Kael volta à carga

Leia na íntegra texto sobre Pauline Kael publicado pelo Caderno Eu & Fim de Semana do jornal Valor Econômico (6 de janeiro de 2012)

 

O cinema não é tarefa de um só

Francisco Quinteiro Pires
Nova York

A novidade excitava Pauline Kael. “A análise cinematográfica é estimulante porque não há uma fórmula para aplicar”, ela dizia, “você deve usar tudo o que é e sabe.” Crítica de cinema da revista The New Yorker entre 1968 e 1991, Pauline escreveu textos como se conversasse num bar com amigos. As suas opiniões eram instintivas e detalhistas. Apesar do fascínio do seu ofício, ela rejeitou a pose de intelectual.

Ao externar com coragem, e muitas vezes fúria, as suas impressões, Pauline seduziu os leitores. “Tal como George Bernard Shaw, ela escreveu resenhas que serão lidas pelo seu estilo, humor e energia, mesmo depois de os assuntos que criticava serem esquecidos”, definiu Roger Ebert, crítico de cinema e ganhador do Pulitzer Prize.

Nas últimas semanas, e dez anos após a sua morte, o nome de Pauline voltou a circular na imprensa americana com o lançamento de dois livros, Pauline Kael, A Life in the Dark (Viking, 418 págs., US$ 27,95) e The Age of Movies, Selected Writings of Pauline Kael (The Library of America, 828 págs., US$ 40).

O primeiro volume é uma biografia escrita por Brian Kellow, editor da revista Opera News. Kellow revela uma falta ética grave da ensaísta. Para escrever Raising Kane (Criando Kane, publicado no Brasil pela Record), o seu ensaio de maior extensão, citado com frequência por cinéfilos e críticos de cinema, Pauline usurpou as informações de um estudo feito por Howard Suber, professor assistente da University of California, Los Angeles (UCLA). “Esse texto consolidaria a reputação dela entre os seus admiradores e convenceria os seus detratores de que ela era mesmo uma valentona irresponsável”, diz Kellow.

No ensaio sobre Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, Pauline defende a importância do trabalho do roteirista Herman Mankiewicz para o êxito do longa-metragem. Essa tese era reflexo da sua crença de que fazer filme não é a tarefa de um homem só, ao contrário da politique des auteurs, teoria lançada, em 1955, por François Truffaut na Cahiers du Cinéma.

“A história do cinema está sendo reescrita de maneira a ignorar os fatos em favor da celebração do diretor como a única força ‘criativa’”, ela escreveu em resenha sobre Bonnie e Clyde, de Arthur Penn, publicada pela The New Yorker em 21 de outubro de 1967. Com essa opinião entrou mais uma vez em atrito, tornado histórico, com o seu grande rival Andrew Sarris, crítico do The Village Voice e defensor ferrenho do cinema de autor.

A análise sobre o filme de Penn, considerada um dos textos clássicos de Pauline, foi reunida em The Age of Movies por Sanford Schwartz, colaborador do The New York Review of Books e amigo de longa data da crítica americana. Segundo Schwartz, o polêmico Raising Kane não foi incluído na sua seleção por “questão de espaço”.

Para apoiar o seu ponto de vista em defesa dos roteiristas, tratados como “os vira-latas de Hollywood”, Pauline ligou para Howard Suber. Ela soube que o professor assistente da UCLA escrevera um ensaio de 31 páginas sobre Cidadão Kane, encomendado pela editora Bantam Books, que antes a procurara com a mesma proposta.

Durante a sua pesquisa, Suber conversou com os membros da equipe do filme e acessou 11 versões diferentes do roteiro. Pauline propôs que reunissem aquele material e escrevessem, em vez de dois, apenas um artigo.

Suber enviou a sua apuração, na qual figurava uma entrevista com Sara, esposa de Herman Mankiewicz, o co-roteirista do longa-metragem ao lado de Welles. Pauline leu o depoimento de Sara e reforçou a sua crença de que Charles Foster Kane era um personagem inspirado tanto no magnata da mídia William Randolph Hearst quanto nas experiências pessoais de Mankiewicz.

Envergonhado, Suber insistiu com Pauline sobre a assinatura de um contrato, e ela foi evasiva. “Por que a maior crítica de cinema dos Estados Unidos precisaria ferrar um mero professor assistente da UCLA?”, Suber se perguntava quando começou a suspeitar que fora enganado.

Em fevereiro de 1971, ao receber pelo correio um exemplar da The New Yorker, Suber descobriu que Pauline publicara na revista a primeira parte de Raising Kane. (A segunda veio a público na edição seguinte). Ela usou naquele ensaio as entrevistas de Suber com Sara e com outras pessoas envolvidas na criação de Cidadão Kane. Clamou ter descoberto que nenhum personagem do filme escuta Kane suspirar a palavra Rosebud, detalhe a ela contado pelo professor assistente da UCLA. Ele não recebeu crédito por suas pesquisas. A crítica de Pauline se transformou numa sensação.

Apesar dessa atitude antiética, Pauline acreditava na meritocracia, segundo Kellow. “Ela valorizava a ideia da causa e efeito: se colocasse toda a sua atenção em um único objetivo, o resultado seria favorável”, diz o biógrafo. “A tendência à ingenuidade é um traço essencial para entender o seu temperamento.” Para Kellow, a contratação como consultora pela Paramount Pictures, em 1979, revelaria essa inocência.

Pauline criticou ferozmente a indústria cinematográfica americana. Embora não tivesse paciência com obras experimentais, rejeitava filmes comerciais sem criatividade. Segundo a sua descrição, em Hollywood “circulavam executivos rapinadores, de altos salários, cercados por uma entourage de vadias e puxa-sacos”. Apesar dessa opinião, Pauline aceitou esperançosa o novo emprego.

“Quando foi para Hollywood, ela acreditava honestamente que teria influência sobre a produção dos filmes”, diz Kellow. “Foi um fracasso retumbante.” Em menos de cinco meses, retornou para Nova York. Deixou pela terceira vez a Califórnia, onde nascera em 19 de junho de 1919, para viver na Costa Leste, cuja intelligentsia ela desprezava.

William Shawn, então editor chefe da New Yorker, a quem Pauline havia sugerido o fraudulento Raising Kane, relutou em aceitá-la de volta. Mas foi convencido por um amigo. Segundo Kellow, Shawn é essencial para a carreira de Pauline. Ao ser convidada em 1968 para trabalhar na revista, a crítica de cinema, aos 49 anos, conseguiu pela primeira vez viver da escrita.

“Com a sua personalidade discreta e puritana, Shawn serviu como saco de pancadas para a Pauline, que escrevia textos mais provocadores para irritá-lo”, diz o biógrafo. “Ele lhe ofereceu espaço ilimitado para tratar dos filmes em uma época muito estimulante para o cinema.”

Kellow se refere aos anos 60 e 70, décadas de renovação da arte cinematográfica. Cinquentenária, Pauline se deparou com o surgimento dos cineastas Robert Altman, Steven Spielberg, Martin Scorsese, Brian de Palma e Francis Ford Coppola. Percebeu as obras desses diretores como um espelho da vida nos EUA.

Ela não gostava de faroestes, filmes noir e ficções científicas. Fez reparos incisivos a diretores benquistos como Alfred Hitchcock, Michelangelo Antonioni, Ingmar Bergman, Stanley Kubrick, Sidney Lumet e Woody Allen. Mas elegeu o ator Marlon Brando, quando já era menosprezado por críticos e jornalistas, como o herói americano. “Quando ele aparece na tela, há um reconhecimento pela audiência de uma qualidade especial: sabemos que ele é muito grande para o seu papel.”

Em resenha sobre Último Tango em Paris (1972), a sua preferida, comparou o lançamento do longa-metragem de Bernardo Bertolucci à estreia de A Sagração da Primavera, do compositor Igor Stravinsky, em 1913. “Chegou, finalmente, um filme revolucionário.”

Segundo Sanford Schwartz, cujo trabalho de edição para a Library of America canoniza Pauline como um dos escritores essenciais dos EUA, existe um romantismo camuflado no espírito crítico da ensaísta. “Ela julgou que os filmes poderiam alimentar a nossa imaginação de maneira imediata, libertadora e subversiva, efeito que a literatura, o teatro e outras artes não exerciam mais”, escreveu na introdução. “Na verdade, o seu tema principal não era o cinema. Era sobre como viver com intensidade.”

Bolaño, a sensação literária de Nova York

Leia texto sobre o trabalho da tradutora Natasha Wimmer e Between Parentheses, livro de Roberto Bolaño

Publicado no Caderno Eu & Fim de Semana do jornal Valor Econômico (7 de outubro de 2011)

 

 

FIEL E CORAJOSA

Por Francisco Quinteiro Pires | Para o Valor, de Nova York

Roberto Bolaño é a maior sensação literária de Nova York. Nos últimos anos, ele se transformou no talismã de escritores, críticos e leitores. Seus livros aparecem em posição destacada nas livrarias e estão disponíveis nas bibliotecas públicas. O culto ao seu nome se tornou signo de inteligência.

A responsável principal pela consolidação dessa tendência é a tradutora Natasha Wimmer, de 38 anos. A moda se espalhou quando Natasha verteu para o inglês “Os Detetives Selvagens” (1998) e “2666” (2004), romances com os quais Bolaño ganhou fama internacional.

Em resenha sobre “Os Detetives Selvagens” para o “New York Times”, James Wood, badalado crítico inglês, confessou que sua “loucura” pelo escritor chileno foi desencadeada pela “talentosa tradução” feita por Natasha em 2006. “Repetidas vezes, ela encontra soluções na língua inglesa para um romance de informalidade linguística diabólica”, escreveu Wood. Embora goste de dividir os méritos com Chris Andrews, tradutor de romances mais curtos, como “Noturno do Chile” e “Estrela Distante”, ela fez o trabalho que despertou a atenção da imprensa.

“Como observo de dentro o fenômeno, tenho dificuldade de entender por que Bolaño se tornou canônico”, diz Natasha. “Quando se referem a ele como um marco cultural, ainda sinto calafrios.” O espanto da tradutora com a celebridade do ficcionista vem da recordação de um indivíduo pobre e doente que rejeitou com fúria o establishment literário.

Natasha traduziu a obra de outros escritores latino-americanos, como Mario Vargas Llosa (peruano), Laura Restrepo (colombiana) e Juan Pedro Gutiérrez (cubano). Mas sua carreira deu uma guinada com Bolaño. “Cheguei ao meu auge com seus romances”, diz. “Dificilmente vou encontrar nos próximos anos uma obra tão desafiadora.”

As traduções mais recentes de Natasha foram “O Terceiro Reich” (disponível em português pela Companhia das Letras) e “Between Parentheses” (sem tradução no Brasil). Organizado por Ignacio Echevarría, “Between Parentheses” foi publicado originalmente em 2004 pela Anagrama. “Entre Paréntesis”, título extraído da coluna assinada por Bolaño no jornal chileno “Las Últimas Noticias”, reúne ensaios, artigos e discursos do período 1998-2003.

 

A tradutora Natasha Wimmer fotografada por Miriam Berkley

 

Em 1998, Bolaño publicou “Os Detetives Selvagens”, pelo qual recebeu os prêmios Herralde de Novela e Rómulo Gallegos. Deixou de ser um escritor pouco conhecido que vivia isolado em Blanes, cidade litorânea da Espanha. O telefone passou a tocar.

“Between Parentheses” (New Directions, 390 págs., U$ 24,95) oferece em seu conteúdo autobiográfico uma cartografia emocional e intelectual de Bolaño, segundo Echevarría. Escritos sob o diagnóstico de uma doença hepática e em paralelo com o romance inacabado “2666”, os textos preservam o caráter urgente e visceral comum às ficções do romancista chileno. “Tudo que escrevi é uma carta de amor ou de despedida para minha geração.”

O livro se inicia com um autorretrato cheio de bom humor, um dos traços marcantes de seu estilo. “Nasci em 1953, ano em que Stálin e Dylan Thomas morreram. Embora tenha vivido na Europa por mais de 20 anos, minha única nacionalidade é chilena, o que não me impede de ser profundamente espanhol e latino-americano.”

Depois de contar que viveu no Chile, México e Espanha, ele confessa ter trabalhado “em todos os empregos do mundo, exceto três ou quatro que um pouco de dignidade proíbe aceitar”, e afirma ser mais feliz lendo do que escrevendo. Ele adora fazer listas dos escritores amados e odiados. Nicanor Parra e Jorge Luis Borges pertencem aos primeiros. Gabriel García Márquez, Isabel Allende e Paulo Coelho estão entre os desprezados.

“O que fascina em alguns textos é o afeto do escritor por Blanes, onde viveu os seus últimos 20 anos”, diz Natasha. “Blanes é uma cidade indefinida, modesta e desconhecida. Serve como lugar para o descanso dos viajantes, algo que Bolaño sempre foi em certa medida.” Conhecida como “selva marítima”, a 65 km de Barcelona, Blanes agora recebe visitas de seguidores do romancista chileno, que chegou por acaso à cidade catalã nos anos 1980.

O exílio é um tema constante em “Between Parentheses”. Embora vista pela crítica como o fardo trágico de Bolaño, a mudança de país é um estranhamento comparável à imersão no universo literário. Para ele, “toda literatura carrega o exílio dentro de si”. “As terras estrangeiras são uma realidade geográfica objetiva ou uma construção mental em fluxo permanente?”, pergunta. Bolaño diz em “Exiles” que o expatriado é alguém em perpétua jornada. “Ser exilado não é desaparecer, mas encolher, é aos poucos ficar cada vez menor até alcançar nosso peso real, o verdadeiro peso de nossa natureza.”

Em “The Corridor with no Apparent Way Out”, ele narra a experiência do retorno ao Chile no fim de 1998. A descrição de um jantar com a escritora Diamela Eltit e seu marido, o ministro Jorge Arrate, enerva a elite intelectual chilena. Na segunda volta, em 1999, ele sofre represália pelos comentários. Aquela noite de 1998 inspirou “Noturno do Chile”, o mais bem acabado de seus livros, segundo o próprio autor.

“Between Parentheses” termina com uma das últimas entrevistas de Bolaño. Concedida à jornalista Mónica Maristain, foi publicada pela edição mexicana da “Playboy” em 15 de julho de 2003, dia da sua morte. As respostas mostram como ele é “intensamente ambicioso e desbravadamente humano”, segundo a tradutora.

O próximo projeto de Natasha é traduzir “Los Sinsabores del Verdadero Policía” (Anagrama), livro póstumo de Bolaño publicado no início do ano. Ela se diz fascinada com o ritmo da prosa do escritor, difícil de transpor para o inglês. “Luto com a tentação de suavizar as frases que parecem sem harmonia”, diz. “Aprendi a aceitar que o estilo de Bolaño nunca é previsível e às vezes pode ser estranho de propósito.”

O uso livre da linguagem, que incorpora regionalismos, é a maior característica do autor chileno, afirma a tradutora. Esse era seu verdadeiro território. Inspirado por Fernando Pessoa, cujo nome lamenta ter esquecido em texto de “Between Parentheses”, Bolaño afirmou ser a língua espanhola a sua terra natal.