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Tao Lin talks about his work

CHECK A PIECE ABOUT TAO LIN, A WRITER BASED IN NEW YORK

14/10/2013 – 12h00

Escritor Tao Lin ganha status de porta-voz da geração digital com nova obra

FRANCISCO QUINTEIRO PIRES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Tao Lin comporta-se como um iconoclasta desde a sua estreia em 2006 com o livro de poesia “you are a little bit happier than i am”. Lin ganhou intensa publicidade quatro anos depois, ao satirizar uma capa da revista Time sobre Jonathan Franzen, classificado de “grande romancista americano”. Ele escreveu um perfil de si mesmo para o semanário The Stranger, em que ressaltou a ideia de que nenhum escritor merece reverência.

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Recentemente, Lin publicou “Taipei”, seu sétimo livro e o primeiro por uma editora que não é independente. Lançado pela Vintage, do grupo editorial Random House – o maior do mundo –, o romance foi debatido em publicações voltadas para leitores diversos, do Financial Times à Vice.

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“Taipei”, sua obra mais autobiográfica, narra a trajetória de Paul dos 26 aos 28 anos, um indivíduo solitário que mora em Williamsburg, região do Brooklyn considerada a meca dos hipsters. O protagonista passa horas a fio diante da tela de um MacBook, enquanto faz visitas obsessivas ao Twitter, Tumblr, Facebook, Gmail.

Os críticos elegeram Lin a voz dos jovens de 20 e poucos anos crescidos com as mídias sociais. “Taipei” transformou o seu autor “no prosador mais interessante da sua geração”, segundo o escritor Bret Easton Ellis.

“Esta não é a minha estreia no cânone”, diz Lin, 30. Ele reclama que as avaliações sobre “Taipei” revelam mais as crenças dos resenhistas do que o conteúdo do romance. “Meu livro com frequência é totalmente ignorado”, afirma. “Quem o comenta está expondo a sua visão sobre a minha personalidade ou abstrações como ‘jovens’ e ‘indivíduos depressivos’”.

Lin rejeita ser entronizado como representante geracional apenas porque é novo e tem um grupo ardente de seguidores. Em entrevista à Folha, sugere que gostaria de ser associado não a uma geração, mas a uma tradição literária com raízes nas obras de Ernest Hemingway, Knut Hamsun e Robert Musil.

Lin cita os escritores Ann Beattie, Frederick Barthelme e Joy Williams como influências principais. Sente-se à vontade entre os ficcionistas do Kmart realism, termo cunhado nos anos 1980 para definir uma ficção minimalista focada na desintegração da esfera pública em favor da dominação da vida privada pelo consumismo.

“Imagino por que um editor, vendo que as críticas ao meu trabalho começam com dois parágrafos sobre a minha vida, não pergunta ao resenhista: ‘Você pode se ater ao livro’?”. Lin, porém, entende a atitude. “Se o editor espera aumentar a audiência da sua publicação, a resenha precisa abordar a privacidade do escritor.”

Tao Lin, de 30 anos, fotografado por Noah Kalina

Tao Li, de 30 anos, fotografado por Noah Kalina

Lin fala abertamente sobre as drogas que consome. Ele foi detido em 2008 por furtar um fone de ouvido de uma loja da New York University, onde estudou jornalismo. Parte da sua renda vinha do roubo de produtos como pilhas, depois vendidos no eBay.

Taipei

Ao escrever “Taipei”, ele tomou até 120 miligramas de Adderall, um estimulante, para manter-se acordado por 36 horas. É o mesmo, entre outros remédios, usado por Paul, o protagonista, definido pela crítica como alienado de tudo, menos das drogas e da tecnologia.

O personagem sai do Brooklyn, passa por Las Vegas e Canadá antes de chegar a Taiwan, a terra natal dos pais de Lin. Segundo o escritor, o amadurecimento de Paul foi confundido com alienação. “Paul se acostumou com o próprio desespero. Ele tenta viver com o tempo uma existência mais calma e satisfatória.”

As origens de Philip Roth

Leia reportagem sobre o aniversário de 80 anos de Philip Roth

Check a piece about Philip Roth’s 80th birthday

 

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HOMEM INCOMUM

Aos 80 anos, completados na próxima terça, escritor americano Philip Roth se revela em documentário e exposição de fotos

FRANCISCO QUINTEIRO PIRES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE NOVA YORK

O escritor americano Philip Roth diz ter “duas grandes calamidades para enfrentar”, enquanto lida com as exigências da velhice. Uma é a sua morte. A outra, a sua biografia. “Vamos esperar que a primeira chegue primeiro.”

A afirmação jocosa é feita na abertura de “Philip Roth: Unmasked”, documentário dirigido por Livia Manera e William Karel.

Em conjunto com uma exposição de fotografias do ficcionista e uma conferência da The Philip Roth Society -centro de estudos sobre o autor-, o filme marca o seu aniversário de 80 anos, a ser comemorado na próxima terça.

Embora tenha cultivado por décadas um comportamento reservado, Roth decidiu expor detalhes da sua vida pessoal. Ele explica que é melhor fazê-lo agora, pois ainda pode exercer certo controle sobre a sua história.

Pelo mesmo motivo, Roth começou a colaborar com Blake Bailey, designado no ano passado para ser o autor da sua biografia autorizada.

“Nos últimos anos Roth tem se mostrado mais confortável com o fato de ser uma celebridade literária”, diz Aimee Pozorski, presidente da The Philip Roth Society. “Ele se cerca de amigos confiáveis e isso o acalma quando está sob escrutínio do público.”

A fama de Roth teve início em 1969, quando publicou “O Complexo de Portnoy”. Além de acusado de antissemita, ele foi associado ao protagonista Alexander Portnoy, causador de escândalo por falar abertamente de sexo.

À época, era comum o escritor sair à rua e ser chamado de Portnoy. A partir dali Roth seria confundido com os seus personagens -como o protagonista do romance “Homem Comum”, um dos retratos cortantes sobre a velhice criados pelo autor.

Criador de uma ficção de conteúdo autobiográfico, ele é hoje considerado o maior escritor americano vivo.

“Philip Roth: Unmasked” resulta de quase 15 horas de entrevistas feitas por Manera entre 2010 e 2012.

Além de amigos de infância do autor, dão depoimentos no documentário a atriz Mia Farrow, os escritores Jonathan Franzen, Nicole Krauss e Nathan Englander.

O filme será exibido pelo canal americano PBS no dia 29 deste mês e será lançado em DVD a partir de abril.

Roth revela ter cinco pessoas de confiança para quem envia os manuscritos dos seus livros. “Elas dizem as suas impressões num gravador e depois, sozinho, eu as transcrevo”, explica o escritor.

Ele avalia essas opiniões e faz as revisões de pé, debruçado sobre uma mesa alta. “Estar de pé”, ele conta, “libera a imaginação”.

 

philiproth

Galeria de arte subterrânea em Nova York

Leia reportagem sobre galeria de arte em estação de metrô do Brooklyn. Publicada pelo jornal Folha de S. Paulo em 15 de abril de 2012

Check a story about an art gallery in a subway station in Brooklyn. Published by Folha de S. Paulo newspaper on April 15th 2012

 

 

Em nome de uma “arte pura”, Pac arriscou a própria vida e a de 103 artistas. Grafiteiro norte-americano, ele idealizou The Underbelly Project, uma galeria de arte subterrânea em Nova York. Criada entre 2009 e 2010 em uma estação de metrô desativada do Brooklyn, ela nunca esteve aberta para o público.

Veja galeria de fotos do The Underbelly Project

Guiados por Pac, os artistas desceram ao “umbigo da cidade” para partilhar um objetivo. “Ali os nossos esforços se tornavam iguais, apesar do nosso pedigree diferente no mercado”, segundo Pac.

“O projeto tem uma irresponsabilidade associada com o elemento efêmero da arte de rua original, hoje em dia não mais encontrado em galerias e museus”, afirma.

Agora Pac revela em detalhes a transgressão secreta com o lançamento de “We Own the Night – The Art of the Underbelly Project” (Rizzoli, 240 págs., US$ 30, cerca de R$ 54, na Amazon.com).

“Temos a esperança de que o leitor possa imaginar melhor a criação de um projeto que enriquece a experiência cultural de Nova York.”

Embora românticas, as visitas à estação são ilegais. Com a segurança reforçada para evitar ataques terroristas, a atividade subterrânea prolongada poderia ter causado sérios problemas.

Para os participantes, porém, essa rebeldia simbolizou um retorno à idade dourada do grafite nova-iorquino, entre os anos 1970 e 1980, quando túneis e carros do metrô viraram vitrines para adolescentes com latas de spray.

Abandonado há 80 anos, o espaço acumula mais de cinco centímetros de sujeira. É pontilhado por buracos que se transformam em armadilhas sob a escuridão. Tem paredes marcadas pelo esgoto que escorre ininterrupto.

“We Own the Night” reúne cerca de 200 imagens das obras de artistas de diferentes países. Claudio Ethos representa o Brasil. “As regras para participar eram simples: ‘Sigam as nossas instruções e fiquem calados'”, conta.

Pac calcula ter passado pelo menos 350 horas no subsolo. Os artistas demoraram de duas a 11 horas para completar os trabalhos, na maioria feitos nas paredes. Alguns desceram mais de uma vez.

Todos receberam treinamento para reagir em caso de emergência. “Houve vários acidentes, mas nenhum grave. As lesões eram iguais às de quem anda por um espaço mergulhado em trevas.”

A segunda etapa do projeto foi concluída há dois meses, em Paris. Enquanto procura uma nova galeria, Pac faz visitas periódicas à estação do Brooklyn, apesar de a polícia ter prendido dois invasores recentemente. “Volto porque sinto saudade.”

Hipsters só querem ser amados

Leia reportagem sobre o comportamento dos hipsters publicada pela revista Carta Capital

Check a piece about the hipsters’ behavior published by Carta Capital magazine

 

 

 

Woody Allen não se leva a sério

Leia texto sobre Woody Allen: A Documentary, filme de Robert Weide. Publicado pelo caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 29 de janeiro de 2012

Check the piece about Woody Allen: a Documentary, a Robert Weide’s movie. Published by Folha de S. Paulo on January 29th 2012

 

 

Woody Allen fala sobre sua vida e processo de criação em filme

FRANCISCO QUINTEIRO PIRES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Como Woody Allen não acredita no próprio sucesso, a vida do documentarista Robert Weide se tornou mais difícil. Por quase três décadas, Weide esperou um sim do diretor nova-iorquino para os seus pedidos de entrevista.

Veja galeria de fotos de Woody Allen

“Allen sempre dava uma resposta educada e negativa”, diz ele. “Segundo o seu argumento, ninguém se interessaria em ver e exibir um filme sobre ele, ‘um tema que não vale a pena’.”

As filmagens de “Woody Allen, A Documentary” começaram em outubro de 2008, depois de Weide enviar uma carta para explicar por que “era a pessoa certa para aquela empreitada”.

Para ter sua autorização, o diretor conta que ajudou o fato de terem os mesmos heróis culturais. Weide se refere ao comediante W.C. Fields e aos irmãos Marx, temas de dois filmes produzidos por ele.

Exibido pelo canal público PBS em novembro de 2010 –à venda em DVD na Amazon, no próximo mês–, o documentário de 192 minutos está dividido em duas partes.

O primeiro segmento aborda a infância de Allen em Midwood, região do Brooklyn habitada por judeus, e termina com o lançamento de “Memórias” (1980), uma crítica ao preço da fama.

A segunda parte comenta a separação escandalosa entre Allen e a atriz Mia Farrow, em 1992, motivada pela relação dele com Soon-Yi Previn, filha adotiva da atriz.

O diretor se casou com Soon-Yi, até hoje a sua mulher. Farrow e a filha adotiva não figuram entre os mais de 40 entrevistados por Weide.

PRODUTIVIDADE

Apesar de ter se tornado fã de Woody Allen na infância, após ver “Um Assaltante Bem Trapalhão” (1969), Weide, 52, não havia notado como o cineasta, diretor de 42 longas-metragens, é produtivo.

“Ele lançou um filme por ano durante quatro décadas. Quando não escreve ou dirige, ele está editando.”

Indicado ao Oscar de documentário por “Lenny Bruce: Swear to Tell The Truth” (1998), Weide afirma sentir vergonha por ter demorado mais de um ano e meio para concluir “Woody Allen”.

“No mesmo período, ele estaria no fim do segundo filme”, diz o diretor. “Allen acredita na quantidade. Dirigindo um longa-metragem após o outro, talvez ele possa apresentar o que chama de ‘uma obra razoável’, quem sabe, ‘até boa’.”

Weide teve acesso às filmagens de “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos” (2010), em Londres, e acompanhou o diretor durante a première de “Meia-Noite em Paris” (2011) –indicado ao Oscar deste ano nas categorias melhor filme e melhor roteiro, e maior sucesso de bilheteria de Allen.

Também na disputa pelo Oscar de melhor diretor, Allen, 76, continua mergulhado em sua rotina ininterrupta. Ele está finalizando “Nero Fiddled”, comédia filmada em Roma. O lançamento será no segundo semestre.

“Embora não seja tratado assim, Allen é um diretor independente”, fala Weide. Ninguém lê os roteiros criados na máquina de escrever que ele comprou aos 16 anos. “Ele só agrada a si mesmo.”

Em conversa informal, Allen revelou ao documentarista que “o segredo é manter o orçamento baixo”.

Segundo Weide, nem Alexander Payne nem Martin Scorsese, também indicados ao Oscar, têm a mesma autonomia. “Eles precisam obter dos produtores a aprovação do roteiro.” Ao fazer filmes econômicos, Allen conquistou a alforria cinematográfica.

Fado transcende fronteiras

Leia reportagem sobre o fado, canção urbana eleita pela UNESCO patrimônio imaterial da humanidade.

Publicada na edição 677 da revista Carta Capital

 

 

 

 

UM PÉ NA TRADIÇÃO, OUTRO NA REVOLTA

A imagem entrou para a história como mito. Vestida de preto, com o semblante austero, Amália Rodrigues inclinava para trás a cabeça, entrelaçava as mãos na frente do corpo e fechava os olhos para expressar os fados portugueses. Com essa postura, ela eternizou versos como Foi Deus/ Que me pôs no peito/ Um rosário de penas/ Que vou desfiando/ E choro a cantar. Assim foi por quase 60 anos, até Amália morrer em 1999.

Nos anos 2000, surgiu Deolinda, outro tipo de fadista. Lisboeta, ela canta sem o acompanhamento tradicional da guitarra portuguesa. Usa maquiagem, veste roupas de cores vibrantes, dança jocosamente, interpreta letras sobre os problemas do seu tempo e às vezes com final feliz.

Em janeiro deste ano, para as plateias que lotaram o Coliseu do Porto e o de Lisboa (as casas de espetáculos mais importantes de Portugal), Deolinda apresentou pela primeira vez a canção Parva Que Sou. Recebeu muitos aplausos por entoar versos como Sou da geração ‘vou queixar-me pra quê?’/ Há alguém bem pior do que eu na tevê e E fico a pensar/ Que mundo tão parvo/ Onde para ser escravo é preciso estudar.

A canção encarnou a insatisfação dos jovens portugueses com os rumos do país. Na internet, eles combinaram um protesto contra a situação econômica de Portugal, à época prestes a receber um resgate financeiro do FMI e da União Europeia, da qual é membro desde 1986. Em março, cerca de 100 mil pessoas saíram às ruas para reclamar contra o desemprego e a baixa remuneração. Ali se reuniu, segundo a imprensa portuguesa, a Geração Deolinda.

Na verdade, Deolinda não é uma fadista de carne e osso. É um personagem inventado por Ana Bacalhau (vocalista), José Pedro Leitão (baixista), Pedro da Silva Martins (violinista) e Luis José Martins (violinista). O quarteto tem uma visão heterodoxa do fado. Pertence a uma geração que está na casa dos 30 anos e que desde a década passada promove o renascimento do gênero, eleito em novembro, pela Unesco, patrimônio imaterial da humanidade. Mesma distinção que os mariachis mexicanos mereceram este ano e o samba do Recôncavo Baiano ganhou em 2005.

Representado por grupos e cantores como Ana Moura, António Zambujo, Cristina Branco, Carminho, Joana Amendoeira, Kátia Guerreiro, Mafalda Arnauth-, -Raquel Tavares, Hoje e Deolinda, o fado de agora está mais aberto para o mundo, com um pé na tradição e outro no presente. Ele flerta com o pop, o jazz, o rock, a música popular brasileira. Adota instrumentos elétricos e computadores. Dulce Pontes e Mariza, precursoras da nova onda, não estão mais sozinhas nos palcos portugueses e internacionais.

No primeiro fim de semana de dezembro, o cantor Camané e os grupos Deolinda, Hoje e Lisboa Soul se apresentaram na Brooklyn Academy of Music (BAM), em Nova York. Nos dias 2 e 3 deste mês, como parte da programação do 2011 Next Wave Festival, eles mostraram à plateia que lotou o BAM as vertentes tradicional e experimental do gênero. Durante os intervalos dos shows, o público lamentava não entender as letras, mas intuía o fatalismo e o desespero sugeridos pelo fado. Os americanos costumam compará-lo ao blues.

O mundo de língua inglesa gosta do fado. No verão passado, a cantora Ana Moura, de 31 anos, fez turnê pelos Estados Unidos e Canadá. Ela caiu nas graças de Prince quando o vocalista americano a viu em um show em Paris, há dois anos. Dali em diante, ele afirmava atravessar o Oceano Atlântico só para “pegar na cauda do vestido de Ana Moura”. Prince incluiu Walk in Sand, balada de inspiração portuguesa, no CD 20ten (2010).

Ana costuma cantar No Expectations, dos Rolling Stones, nas suas performances. Depois de a ouvirem numa taverna lisboeta, em 2007, os roqueiros ingleses se encantaram com sua voz e a convidaram para gravar com eles. O resultado: a fadista participa do CD Stones World: Rolling Stones Project, Volume II (2008).

Os pais de Ana viveram em Angola até a então colônia portuguesa conquistar a independência, em 1975. O período da família na África influenciou a cantora. Ela ouvia em casa músicas angolanas. Hoje menciona como fadistas preferidos Cesária Évora e Tito Paris, ambos cabo-verdianos.

Tal como Ana, o grupo Deolinda recebeu a influência de estilos diversos, identificáveis nos seus dois CDs, Canção ao Lado (2008) e Dois Selos e um Carimbo (2010). “Embora tenhamos quatro personalidades diferentes, escutamos músicas parecidas: a matriz é a mesma”, diz José Pedro Leitão a CartaCapital. No DNA musical do quarteto estão impressas as marcas de Nirvana, Pearl Jam, Caetano Veloso, Chico -Buarque, Elis Regina e Marcelo Camelo.

Lançado há dois anos pelo grupo Hoje, Amália Hoje é um disco com nove canções consagradas por Amália Rodrigues (1920-1999). Curiosamente, Nuno Gonçalves, idealizador do projeto, não é um apreciador do gênero. Ele é o tecladista da banda pop portuguesa The Gift. “Meu pai ouvia as músicas da Amália no banheiro. Eu queria escutar Sex Pistols, enquanto crescia nos anos 1980”, diz Gonçalves. “Na adolescência, rejeitei a associação de Portugal ao fado, futebol e Nossa Senhora de Fátima.”

“A página foi virada pelos mais jovens”, diz o tecladista. “Existe uma nova geração de fadistas que fala de jazz, rock, tecno e house music.” Com Sônia Tavares (vocalista do The Gift), Fernando Ribeiro (vocalista da Moonspell, banda de heavy metal) e Paulo Praça (vocalista), Gonçalves criou o CD mais vendido de 2009 em Portugal. Concebido sob uma sonoridade pop com o uso de sintetizadores, o disco tem arranjos orquestrais que imprimem ao fado características “épicas”. “Houve uma rejeição da velha-guarda, mas as vozes fundamentalistas se calaram”, diz.

Para ele, as gerações que não acompanharam Amália têm “uma visão distorcida” sobre a Rainha do Fado, associada à tristeza e à desesperança. “Amália foi uma pop star, talvez a única de Portugal”, diz. “Ela cantou no mundo todo, falou outras línguas, apareceu na tevê, hospedou-se nos melhores hotéis, tratou Frank Sinatra sem cerimônia.” Seria um equívoco, diz o tecladista, confundir Amália com “xale negro e guitarra portuguesa”.

O sucesso dos grupos Hoje e Deolinda tem a ver com a valorização da cena fadista de Portugal, sobretudo de Lisboa, segundo a musicóloga Lila Ellen Gray. “Atualmente, muitos jovens cantam o fado tradicional e o fado-canção. Não estamos mais na era em que o fado é dominado por uma estrela apenas”, diz. Professora da Columbia University, Ellen terminou há pouco Resounding History: Politics of the soul in Lisbon’s fado, livro a ser publicado pela Duke University Press no próximo ano.

“Criado no início do século XX, o estereótipo do fado como a alma atemporal de Portugal circula na mídia e em discos destinados ao mercado internacional”, diz. “Fadistas falam do gênero como algo inato, impossível de ser aprendido.” Em sua obra, Ellen discute a ideia de que os cantores e instrumentistas nascem sabendo o fado. “Existe um aprendizado e boa parte dele se dá fora de instituições formais.”

A noção de uma identidade portuguesa é indispensável no país em crise, “habitado por gente que conhecemos mal, por quem não temos especial estima e que certamente merece o fardo que lhes cabe carregar”, escreve o sociólogo Boaventura de Sousa Santos no seu livro mais recente, Portugal –- Ensaio contra a autoflagelação (Almedina, 2011). “Portugal foi o único país colonizador a ser considerado por outros colonizadores um país nativo ou selvagem.”

Santos examina, no ensaio sobre os problemas econômicos e sociais de Portugal, o suposto caráter “ambíguo”, “indefinido” do homem português, encurralado entre a ansiedade por mudança e o medo paralisante da novidade. Diante dessa relação difícil com a lusitanidade, apontada por Santos, o fado representaria um porto seguro.

Segundo Ellen, a discussão sobre as origens dessa canção urbana está ativa. “Provavelmente, o fado nasceu como um gênero poético cantado na Lisboa da primeira metade do século XIX”, diz. “A capital de Portugal é uma cidade portuária com tradição de trocas culturais.” Para a musicóloga, os mouros e o Brasil exerceram influência sobre o desenvolvimento do gênero.

A academia debate as ligações entre o fado e a ditadura de António de Oliveira Salazar (1889-1970). “A política cultural nos primeiros anos do regime salazarista fomentou a profissionalização do gênero por meio da criação das casas de fado oficiais”, diz. “Ao mesmo tempo, letras de canções foram censuradas.” A relação complicada do começo aplainou-se quando o regime declinava. A fama internacional de Amália serviu ao nacionalismo de Salazar.

Após a Revolução dos Cravos (1974), os portugueses associaram o fado ao salazarismo. Àquela altura, preferiram escutar jazz, Beatles e canções de intervenção. Casas de fado fecharam. “Nos anos posteriores à revolução, alguns fadistas imaginaram novas possibilidades para o futuro.” O fado é hoje o que era no seu berço: uma música em contato com diferentes culturas.

O que muda no Harlem

 

 

Se paradoxos não existissem na vida cotidiana, bem difícil seria acreditar na sua falta de lógica. À medida que o tempo passa, parece aumentar o sentido da máxima criada por Giuseppe Tomasi di Lampedusa no livro Il Gattopardo. As coisas mudam para permanecer as mesmas. Esse retrato de relações engessadas apareceu há 20 anos em Jungle Fever (1991), filme de Spike Lee.

O longa-metragem relata a relação complicada, condenada à falência, de Flipper Purify (Wesley Snipes) e Angie Tucci (Annabella Sciorra). O primeiro é um afro-americano, morador do Harlem, norte de Manhattan ou uptown. A segunda é uma ítalo-americana, morada de Bensonhurst, sul do Brooklyn. Quando começam a se relacionar – ele é casado -, transformam-se em párias tanto para os familiares quanto para a sociedade.

O retrato de Spike Lee é amargo, contundente. Na sua observação atenta, ele cria ambientes familiares em que se exibem os preconceitos e equívocos dos personagens, além das relações miúdas, realizadas no espaço das ruas.

O irmão de Flipper é Gator Purify (Samuel L. Jackson), um viciado em crack. O Harlem aparece no filme de Lee como um lugar entregue à própria sorte, onde pedestres chutam cachimbos usados pelos crackheads e são abordados por prostitutas.

Samuel L. Jackson, hoje o ator mais rentável da história do cinema, saíra pouco antes de um programa de reabilitação para fazer o seu papel, premiado, em Jungle Fever. A aparência do personagem era, na verdade, a aparência do ator, debilitado pelo consumo de álcool e drogas. A namorada de Gator, também uma viciada, é feita pela Halle Berry, que teria ficado sem tomar banho por duas semanas para ser Vivian, uma crackhead desbocada.

A fama do Harlem não era nada boa. Mas alguma coisa está acontecendo. Reportagem publicada pelo The New York Times, em 2 de dezembro deste ano, mostra a luta de moradores para impedir a abertura de uma liquor store na Lenox Ave com a 119th Street. (Leia a íntegra em As Tastes Change in Harlem, Old-Look Liquor Store Stirs a Fight).

Essa é uma região conhecida como Mount Morris Park Historic District, onde há townhouses e brownstones históricos, descobertos nos últimos meses pelos guias de turismo. Entre os seus moradores mais antigos está Albert Maysles, documentarista e dono de um cinema na Lenox, entre a 124 e a 125.

Há 20 anos, esses imóveis estavam abandonados. Hoje podem valer até US$ 3 milhões. Um dos restaurantes, Settepani (Lenox e 120), abrigou recentemente a festa de aniversário do ex-presidente Bill Clinton, cujo escritório é na 125th Street.

A controvérsia é que, segundo um dos moradores, para ser uma Park Slope, região descolada do Brooklyn, para onde afluem os hipsters, não pode haver uma loja que vende bebidas e tem anúncios tão cafonas. O Harlem presencia a gentrificação ou valorização imobiliária dos seus apartamentos. Na região, pela qual o 28th Precinct é responsável, a criminalidade caiu 70% nos últimos 20 anos. Em 1990 houve 41 assassinatos. No ano passado foram 6. Alguma coisa parece ter mudado no Harlem, apesar da maldição do Il Gattopardo. Ou a sujeira está sendo só afastada para longe dos olhos para que as mudanças significativas, mais uma vez, permaneçam engessadas?