Tag Archives: Bob Dylan

O jornalista que inventava

Leia texto sobre a biografia do jornalista polonês Ryszard Kapuscinski

Check a piece about the biography of Polish journalist Ryszard Kapuscinski

 

kapuscinski1

 

kapuscinski2

 

kapuscinski3

Conexão com as linguagens do passado

Bob Dylan se apresentou no Brasil pela última vez em 2008. Quem imagina que ele veio ao País apenas para tocar músicas está enganado. Ele terminava naquele ano a fase de pesquisas de um projeto iniciado em duas viagens anteriores para o Brasil, ocorridas em 1991 e 1998. As paisagens e o povo brasileiros inspiraram cerca de 50 pinturas de Dylan. Quarenta desses quadros foram selecionados para satisfazer um pedido da direção do Statens Museum for Kunst, em Copenhague, na Dinamarca. A instituição dinamarquesa se interessou pela obra pictórica do compositor norte-americano após conhecer The Drawn Blank Series, conjunto de aquarelas que, exibidas em 2007, marcam a estreia do compositor como artista plástico. Dylan aceitou o convite, mas se propôs a criar algo novo, a que deu o nome de The Brazil Series.

A exibição em Copenhague ficou em cartaz até abril passado. Quem não visitou o país nórdico para conhecer os quadros de Dylan pode vê-los no catálogo Bob Dylan: The Brazil Series (Prestel, 192 págs., US$ 49,95). O livro revela com detalhes uma paixão bem escondida, além da influência da pintura na evolução de Bob Dylan, o músico.

A relação com as artes plásticas começou na primeira metade dos anos 60, quando o compositor de Minnesota chegou a Nova York. Dylan conheceu os museus da Big Apple, desenvolvendo especial afeição pelo Metropolitan Museum of Art (Met) e pelo Museum of Modern Art (MoMA). O interesse se tornou mais sério em 1968, ao ganhar de Sara, então sua mulher, uma caixa de tintas a óleo – era o presente de aniversário de 27 anos. Suas pinturas chegaram à capa de três discos: Music From Big Pink (1968), da banda The Band; Self Portrait (1970); e Planet Waves (1973), ambos de Dylan.

Em 1974, Dylan tomou lições com o pintor norte-americano Norman Raeben (1901-1978). Segundo o compositor, Raeben colocou “a sua mão e a sua mente em consonância”, permitindo a ele manifestar de modo consciente os sentimentos inconscientes. O músico declarou em 1978 a intensa dificuldade de exercer essa consciência enquanto compunha. Um dos ensinamentos de Raeben foi exibir um vaso durante 30 segundos, retirá-lo da vista para em seguida pedir a Dylan que o pintasse. “Não lembrava patavinas do objeto – eu havia olhado para ele sem vê-lo”, disse sobre a experiência. Blood on the Tracks (1974) é o primeiro álbum concebido como uma “prática artística consciente”. O compositor comparou Tangle Up In Blue, uma das faixas do disco, a O Massacre dos Inocentes, quadro de Peter Paul Rubens.

Segundo John Elderfield, curador emérito do MoMA e autor do ensaio de The Brazil Series, Raebel aplicou um método de ensino neossimbolista empregado por Henri Matisse. O artista francês costumava incentivar os alunos a fechar os olhos, fixar a visão de um objeto na memória e usar a sensibilidade para representá-lo. A diferença é que Raebel nunca respeitou a fantasia. Ele acreditava na imaginação. Foi assim que Dylan, o músico, aprendeu a separar realidade, sonhos pessoais e imaginação artística. O compositor definiu essa descoberta da seguinte maneira: “Estar atento. Criar sem sofisticar. Ser imune a distrações. Realidade.” Ele percebeu que gostaria de recriar o mundo real sem afetá-lo por desejos inconscientes nem medos particulares.

Bob Dylan recusa, no entanto, estabelecer relações entre as suas músicas e os seus quadros. “O estado de espírito afeta uma composição, mas não altera a pintura”, ele diz. “Se pudesse ter expressado numa composição o mesmo que manifestei pintando, eu teria composto.” No ensaio – aprovado pelo músico e intitulado Across the Borderline -, Elderfield mostra o contrário. Afirma que as descrições das músicas de Dylan se acumulam para reforçar a narração de histórias. “Ele não diz como é o personagem ou o lugar, ele apenas nos estimula a imaginá-los”, escreve Elderfield.

O mesmo procedimento vale para as 40 pinturas de The Brazil Series. O elemento narrativo é acentuado nos quadros de tinta acrílica que mostram um conjunto ecumênico de pessoas, lugares e objetos. Dylan parece um antropólogo atento à diversidade brasileira, segundo Elderfield. Executadas entre o fim de 2008 e o começo de 2010, as pinturas da série têm como base desenhos de Dylan em guardanapos e cadernos.

“Não quero fazer nenhum comentário social nem reforçar o ponto de vista de ninguém”, afirma Dylan sobre The Brazil Series. Sua intenção é congelar impressões passageiras sobre lugares e pessoas. Ele se surpreendeu com as habitações precárias dos morros cariocas em Favela Villa Candido e Favella Villa Broncos. Comentou a violência em The Incident, mostrando um homem baleado no chão. Questionou as relações de poder em Politician, em que um político fanfarrão aparece ao lado de uma dançarina sem sutiã e com um tamborim na mão. Em The Argument exibiu uma mulher que se insinua corajosamente num vestido curto. “As mulheres são figuras poderosas, por isso as apresento dessa maneira”, ele explicou em entrevista de 2009.

Inseridas numa tradição figurativa, as pinturas de The Brazil Series não criam conexões com as linguagens contemporâneas. Antes resgatam os mestres admirados por Dylan, como Caravaggio, Jacques-Louis David e Matisse. Ao pintar as coisas do Brasil, Bob Dylan cumpre a tarefa perpétua da poesia segundo T.S. Eliot – renovar as coisas passadas sem a necessidade de inventar novas.

Bob Dylan, objeto de grande paixão

Bob Dylan em 1965 fotografo por Jerry Schatzberg

Além da amizade, Greil Marcus e Sean Wilentz têm outra relação em comum. Eles receberam a aprovação de Bob Dylan para criticá-lo. Ambos pertencem ao conjunto oficial dos críticos dylanescos: Allen Ginsberg, Johnny Cash, Nat Hentoff, Pete Hamill, Tony Glover, Tom Piazza. Marcus, de 65 anos, e Wilentz, de 59, admiram Dylan desde a juventude. O autor de The Times They Are A-Changin’ é para eles um símbolo quase sagrado. Os livros mais recentes de Marcus e Wilentz comentam esse objeto de grande paixão.

Bob Dylan by Greil Marcus: Writings 1968-2010 (PublicAffairs, 482 págs., US$ 29,95) e Bob Dylan in America (Doubleday, 390 págs., US$ 33), de Wilentz, vêm na esteira do aniversário de 70 anos do compositor norte-americano, a ser comemorado em 24 de maio. Neste mês, Dylan anunciou para abril quatro apresentações na Austrália. Nova York deu início à efeméride com shows e um simpósio.

A paixão de Marcus nasceu com a ajuda de Joan Baez em Nova Jersey. O ano era 1963, e Baez convidou Dylan ao palco para interpretar algumas músicas. Marcus conta que naquele momento “se sentiu convocado a observar aquele cara de ombros caídos e aparência desgrenhada”. “De onde ele veio? Qual a idade? Ele desafiou de maneira absurda a minha compreensão”, escreve o jornalista.

Assim se explica a gênese de Bob Dylan By Greil Marcus, o terceiro livro do crítico sobre o compositor. (Os outros são Like a Rolling Stone: Bob Dylan at the Crossroads e Invisible Republic: Bob Dylan’s Basement Tapes. A convite de Dylan, ele escreveu o encarte de The Original Mono Recordings).

O volume reúne trabalhos publicados na imprensa entre 1968 e 2010. Inclui um texto de estrutura fragmentada sobre o álbum duplo Self Portrait. Divulgado na revista Rolling Stone de 23 de julho de 1970, ele é considerado uma das melhores críticas sobre uma gravação. Nesse escrito, o jornalista exercita a sua principal crença sobre o exercício da crítica: “Eu me interesso pelos efeitos das músicas de Dylan em mim e nos outros, e não pelo significado delas.”

Greil Marcus se confessa fã de Bob Dylan. Está entre “aqueles que procuram os cigarros que a lenda joga no chão.” Ele se refere a uma descrição de Paul Simon a respeito do fascínio exercido por Dylan. Segundo Simon, o artista desperta com intensidade, tanto nos admiradores como nos detratores, a vontade de participar da sua criação. “Faminto por um símbolo, o mundo costuma segui-lo por aí, à espera de que ele deixe cair uma guimba de cigarro”, explica Simon. A parte mais assustadora dessa história é que as pessoas, diz Simon, acham um sentido na bituca descartada pelo ídolo. Marcus afirma, no entanto, que o tempo deu mais frieza às suas análises.

Na divisão de seu livro, 1992 é o ano em que Dylan apresenta novidades na composição em relação aos anos 1960, quando é transformado em mito. Para Marcus, o disco Good As I Been to You (1992) é uma síntese – feita por um criador mais livre – de toda a produção anterior. Não à toa, um pouco mais da metade do volume apresenta textos dos últimos 13 anos. O jornalista termina dizendo que a música The Times They Are A-Changin’ ganhou pleno sentido somente com os novos ares trazidos pela eleição de Barack Obama.

Bob Dylan, objeto de grande paixão 2

“Historiador residente” do site oficial de Bob Dylan, Sean Wilentz continua atrás das bitucas rejeitadas pelo ídolo no seu novo livro, elogiado por Martin Scorsese e Philip Roth. Professor da Princeton University, ele é capaz de selecionar detalhes da carreira de Dylan, dando-lhes significados profundos. É histórica a sua ligação com o compositor, que o chamou para escrever o encarte de The Bootleg Series, Vol. 6: Bob Dylan Live 1964, Concert at Philharmonic Hall. A família de Wilentz administrou a 8th Street Bookshop. Localizada no Greenwich Village, em Nova York, a livraria era frequentada por beatniks e apreciadores de música folk.

Wilentz conta ter sentido o magnetismo de Dylan em duas ocasiões. A primeira foi o show de 1964 no Philharmonic Hall, visto por ele quando tinha 13 anos. E a segunda, com a capa do disco Freewheelin’ Bob Dylan (1963), em que o compositor aparece com Suze Rotolo, então sua namorada. “A visão dessa imagem causou mais excitação em mim do que ter visto as páginas da Playboy quando era adolescente”, confessa.

O primeiro capítulo aborda as origens artísticas de Dylan. A novidade, segundo Wilentz, é mostrar a importância do compositor erudito Aaron Copland. Como Copland trabalhou com música folk nos anos 1930 e 1940, ele teria depositado a semente do revival folk dos anos 1960, a melhor fase de Dylan, segundo o historiador.

“A carreira dele é uma peregrinação instável, com altos e baixos, incluindo um período prolongado, os anos 1980, em que ele admite que seu trabalho andou em círculos.” Wilentz evita abordar os maus momentos do compositor. Prefere comentar os anos recentes conduzido pelo seguinte alerta: “o maior desafio para quem aborda a obra de Dylan é entender a combinação paradoxal de tradição e rebeldia.”

Os dois autores parecem falar mais de si mesmos do que de Bob Dylan. Esse egocentrismo é efeito da impossibilidade de penetrar o sentido de um enigma. Dylan é um camaleão – varia a cor, mas não muda a forma. O que ele fala sobre si mesmo continua sendo a melhor fonte para entendê-lo.