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Woody Allen não se leva a sério

Leia texto sobre Woody Allen: A Documentary, filme de Robert Weide. Publicado pelo caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 29 de janeiro de 2012

Check the piece about Woody Allen: a Documentary, a Robert Weide’s movie. Published by Folha de S. Paulo on January 29th 2012

 

 

Woody Allen fala sobre sua vida e processo de criação em filme

FRANCISCO QUINTEIRO PIRES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Como Woody Allen não acredita no próprio sucesso, a vida do documentarista Robert Weide se tornou mais difícil. Por quase três décadas, Weide esperou um sim do diretor nova-iorquino para os seus pedidos de entrevista.

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“Allen sempre dava uma resposta educada e negativa”, diz ele. “Segundo o seu argumento, ninguém se interessaria em ver e exibir um filme sobre ele, ‘um tema que não vale a pena’.”

As filmagens de “Woody Allen, A Documentary” começaram em outubro de 2008, depois de Weide enviar uma carta para explicar por que “era a pessoa certa para aquela empreitada”.

Para ter sua autorização, o diretor conta que ajudou o fato de terem os mesmos heróis culturais. Weide se refere ao comediante W.C. Fields e aos irmãos Marx, temas de dois filmes produzidos por ele.

Exibido pelo canal público PBS em novembro de 2010 –à venda em DVD na Amazon, no próximo mês–, o documentário de 192 minutos está dividido em duas partes.

O primeiro segmento aborda a infância de Allen em Midwood, região do Brooklyn habitada por judeus, e termina com o lançamento de “Memórias” (1980), uma crítica ao preço da fama.

A segunda parte comenta a separação escandalosa entre Allen e a atriz Mia Farrow, em 1992, motivada pela relação dele com Soon-Yi Previn, filha adotiva da atriz.

O diretor se casou com Soon-Yi, até hoje a sua mulher. Farrow e a filha adotiva não figuram entre os mais de 40 entrevistados por Weide.

PRODUTIVIDADE

Apesar de ter se tornado fã de Woody Allen na infância, após ver “Um Assaltante Bem Trapalhão” (1969), Weide, 52, não havia notado como o cineasta, diretor de 42 longas-metragens, é produtivo.

“Ele lançou um filme por ano durante quatro décadas. Quando não escreve ou dirige, ele está editando.”

Indicado ao Oscar de documentário por “Lenny Bruce: Swear to Tell The Truth” (1998), Weide afirma sentir vergonha por ter demorado mais de um ano e meio para concluir “Woody Allen”.

“No mesmo período, ele estaria no fim do segundo filme”, diz o diretor. “Allen acredita na quantidade. Dirigindo um longa-metragem após o outro, talvez ele possa apresentar o que chama de ‘uma obra razoável’, quem sabe, ‘até boa’.”

Weide teve acesso às filmagens de “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos” (2010), em Londres, e acompanhou o diretor durante a première de “Meia-Noite em Paris” (2011) –indicado ao Oscar deste ano nas categorias melhor filme e melhor roteiro, e maior sucesso de bilheteria de Allen.

Também na disputa pelo Oscar de melhor diretor, Allen, 76, continua mergulhado em sua rotina ininterrupta. Ele está finalizando “Nero Fiddled”, comédia filmada em Roma. O lançamento será no segundo semestre.

“Embora não seja tratado assim, Allen é um diretor independente”, fala Weide. Ninguém lê os roteiros criados na máquina de escrever que ele comprou aos 16 anos. “Ele só agrada a si mesmo.”

Em conversa informal, Allen revelou ao documentarista que “o segredo é manter o orçamento baixo”.

Segundo Weide, nem Alexander Payne nem Martin Scorsese, também indicados ao Oscar, têm a mesma autonomia. “Eles precisam obter dos produtores a aprovação do roteiro.” Ao fazer filmes econômicos, Allen conquistou a alforria cinematográfica.

Martin Luther King na Broadway

Publicado pelo caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo em 1 de dezembro de 2011.

 

 

Peça com Samuel L. Jackson recria última noite de Luther King

FRANCISCO QUINTEIRO PIRES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Katori Hall fotografada por Xanthe Elbrick

Na última viagem a Londres, a dramaturga Katori Hall aguardava no saguão do hotel enquanto seu quarto era arrumado.

Quando um funcionário se aproximou, ela sentiu alívio. “Pensei que iria para o apartamento. Mas ele perguntou: ‘Você está aqui para o emprego de camareira, certo?’.”

“Um afro-americano ocupa a Casa Branca e a primeira suposição é que os negros estão na Terra para limpar a sujeita dos brancos”, desabafa.

“Raça importa, por isso faz sentido falar no assunto até destruir noções preconceituosas”, continua Hall.

Katori Hall, 30, desafiou um tabu ao escrever “The Mountaintop”, peça que recria a última noite de Martin Luther King Jr. (1929-1968), ativista influente da luta pelos direitos civis americanos.

Na Broadway até 22 de janeiro, “The Mountaintop” humaniza King, “até hoje reverenciado como santo”. O King de Katori Hall vai ao banheiro, fuma, mente para a mulher, é mulherengo.

“A minha geração tem uma visão simplista”, diz. “Mais do que integracionista, King foi um radical que pregou justiça não só entre as raças mas entre as classes. Ele denunciou o militarismo dos EUA.”

Antes da temporada na Broadway, em que é dirigida por Kenny Leon, “The Mountaintop” estreou num pequeno teatro de Londres.

Com o êxito da peça, Katori se tornou em 2010 a primeira dramaturga negra a ganhar o Olivier Award na categoria nova obra teatral.

ÚLTIMO SERMÃO

Na véspera do seu assassinato, ocorrido em 4 de abril de 1968, na frente do Lorraine Motel, em Memphis, Tennessee, King proferiu o sermão “I’ve Been to the Mountaintop” (algo como “eu estive no cume da montanha”).

No discurso, intuiu a morte próxima e disse ter visto “a terra prometida”, à qual os americanos chegariam. “Os EUA vão demorar para atingir esse ponto”, diz Hall.

A dramaturga nasceu em Memphis. Autora de dez peças, quatro das quais publicadas em “Katori Hall Plays One”, ela admite ter a cidade natal como “musa”.

“Mas eu não falo das minhas experiências. Escrevo sobre aquilo sobre que gostaria de saber mais. É o meu jeito de tornar o passado real.”

Inspirada na sua mãe, que lamenta ter perdido o último sermão, Katori criou para a peça uma camareira misteriosa (Angela Bassett).

No quarto 306, a funcionária questiona as atitudes de King (Samuel L. Jackson, o ator mais rentável da história do cinema, segundo o livro dos recordes “Guinness”).

“É desconcertante ver um homem comum em confronto com a própria mortalidade”, diz. “King foi grandioso. Mas, como todos, esteve sujeito à condição humana.”